O STF (Supremo Tribunal Federal) tem 10 votos a 0 a favor do entendimento de que as Forças Armadas não têm atribuição de poder moderador e que a Constituição não permite intervenção militar sobre os três Poderes.
No voto mais recente inserido no plenário virtual, o ministro Kassio Nunes Marques acompanhou o relator da matéria, Luiz Fux, para firmar o entendimento de que a Constituição “não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.
Antes de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes também tinha seguido o relator. No voto, afirmou que “nunca na história dos países democráticos houve a previsão das Forças Armadas como um dos poderes de Estado, ou mais grave ainda –como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática ‘interpretação golpista’—, nunca houve a previsão das Forças Armadas como poder moderador, acima dos demais poderes de Estado”.
“A preservação da supremacia civil sobre a militar é essencial ao Estado democrática de Direito”, escreveu Moraes.
Nesta sexta-feira (5) votou também a ministra Cármen Lúcia, aderindo à tese Fux para “afastar qualquer interpretação que confira às Forças Armadas a condição de poder constitucional, menos ainda o de inexistente poder moderador da República brasileira”.
“A ideia de que o Estado democrático de Direito, instituído pela Constituição da República de 1988, pudesse ter os poderes constitucionais tutelado por poder militar, armado e não eleito não se compadece com os termos nem com os objetivos postos no sistema fundamental”, afirmou.
“Não se compõe com esse sistema um superpoder, além e acima dos demais, e que para esse específico desempenho superpoderoso careceria de legitimidade democrática.”
O julgamento ocorre até o próximo dia 8. Até lá, pode haver paralisação do julgamento por meio de pedido de vista (mais tempo para análise) ou destaque (que leva o caso ao plenário físico).
A controvérsia gira em torno do artigo 142 da Constituição, que define o papel dos militares –a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.
Como mostrou a apuração da Polícia Federal sobre a trama golpista, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados se valeram de uma interpretação distorcida sobre tal dispositivo para tentar reverter o resultado das eleições de 2022.
Na argumentação, a ministra afirmou ainda que as Forças Armadas, em sua configuração constitucional e em sua atuação democrática, são essenciais para a garantia da ordem no país.
A magistrada citou o caso do Ministério Público, “outra instituição permanente, que não é poder, não está acima nem modera instituições, mas atua para que os poderes constitucionais possam cumprir suas competências e assegurar a dinâmica do Estado de Direito brasileiro”.
Votaram até o momento, além de Fux (relator) e Kassio, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, André Mendonça, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin. Ainda falta a manifestação de Dias Toffoli.
O processo foi apresentado ao Supremo pelo PDT em 2020.
Antes do julgamento, houve uma liminar concedida por Fux para estabelecer que a prerrogativa do presidente da República de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.
Em seu voto, o relator disse ainda que o emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem” presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública após o esgotamento de outros mecanismos da preservação da ordem pública.
Cármen abordou também o papel do presidente da República, sustentando entendimento para excluir “qualquer compreensão que conduza a possibilitar a intromissão inconstitucional [por parte do mandatário] em algum dos outros poderes constitucionais legislativo ou judiciário, restringindo-se a sua atuação para autorizar o desempenho daquela instituição [Forças Armadas] a suas competências constitucionalmente delimitadas”.
A ministra reproduziu em seu voto notas taquigráficas de debates travados na Constituinte 1987/88 e que resultaram no estabelecimento do art. 142 da Constituição.
O conteúdo, segundo ela, conduz à conclusão de se ter definido a submissão das Forças Armadas ao poder civil, aos Poderes da República constitucionalmente previstos. Transcreveu, por exemplo, fala do general do Exército Euler Bentes Monteiro no Congresso:
“A questão fundamental, conceitual: a Constituição deve definir, para as Forças Armadas, atribuições condizentes ao modelo democrático? Acho claro que sim. Há, assim, que desfigurar o papel histórico do chamado poder moderador. A intervenção das Forças Armadas no processo político, se admitindo como destinação constitucional, irá colocá-la acima dos poderes políticos do Estado e acima do próprio Estado.”