O STF (Supremo Tribunal Federal) formou, com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, maioria na madrugada desta sexta-feira (12) para ampliar o alcance do foro especial de autoridades.
Barroso, que é o presidente da corte e havia pedido vista (mais tempo para análise) e paralisado o julgamento no último dia 29, acompanhou o relator do processo, Gilmar Mendes.
Eles são favoráveis ao entendimento de que, em casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, o foro especial seja mantido mesmo depois da saída da função.
Apesar disso, André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise) minutos após a abertura da sessão virtual e interrompeu novamente o julgamento do caso.
Além de Gilmar, outros quatro ministros já tinham votado com esse entendimento: Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Com o voto de Barroso, o Supremo chega a seis ministros favoráveis à mudança.
A tese proposta por Gilmar foi a de que “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no
cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Em seu voto, Barroso afirmou que “o ‘sobe-e-desce’ processual produzia evidente prejuízo para o encerramento das investigações, afetando a eficácia e a credibilidade do sistema penal. Alimentava, ademais, a tentação permanente de manipulação da jurisdição pelos réus”.
O julgamento acontece em sessão virtual do Supremo, plataforma na qual os ministros apresentam os seus votos durante um determinado período, e estava previsto para ser concluído no próximo dia 19 (antes do pedido de vista de Mendonça).
O julgamento dá mais poder à corte sobre os parlamentares e aumenta a pressão do tribunal em relação ao Legislativo —que tem encampado uma série de propostas que contrariam os magistrados.
A última vez que o Supremo havia modificado o entendimento do foro especial tinha sido em 2018, na esteira da Operação Lava Jato e do aumento no número de ações penais em curso.
À época, a corte decidiu que apenas crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo deveriam ficar em sua alçada.
Ao votar nesta sexta, Barroso disse que, em sua avaliação, a nova mudança não altera a proposta de 2018, mas sim a de 1999, que entendia que o fim do cargo encerrava a competência do STF sobre os processos.
“Considerando as finalidades constitucionais da prerrogativa de foro e a necessidade de solucionar o problema das oscilações de competência, que continuam produzindo os efeitos indesejados de morosidade e disfuncionalidade do sistema de justiça criminal, entendo adequado definir a estabilização do foro por prerrogativa de função, mesmo após a cessação das funções”, disse, em seu voto.
Inicialmente, foi Gilmar quem sugeriu a nova mudança. Ele propôs que o “plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício”.
Também afirmou que, “quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”.
Segundo o ministro, “em termos práticos, a aprovação da proposta estabilizaria o foro nos tribunais quando estiverem presentes os requisitos da contemporaneidade e da pertinência temática”.
Em seu voto, Moraes seguiu a mesma linha e afirmou que é uma “questão importante” a manutenção do foro “mesmo após o término dos mandatos”.
Dino, por sua vez, afirmou que a tese proposta por Gilmar “amplia a segurança jurídica” e dá “estabilidade sobre o juiz natural do processo, além de melhor viabilizar a duração razoável do processo”.
Quando mudou a jurisprudência sobre o tema em 2018, as novas regras foram aprovadas por uma maioria apertada, com apenas 6 votos favoráveis, o mínimo necessário.
A tese vencedora decidiu que, caso o político perca o mandato no momento em que o processo já está na fase das alegações finais, a ação permanece no Supremo.
Do ponto de vista jurídico, há ministros que afirmam que a regra atual tem lacunas que precisam ser preenchidas para não gerar insegurança jurídica, o que justifica a rediscussão do tema.
Sob o aspecto político, uma ala defende a ampliação das hipóteses de julgamento de autoridades pela corte como uma forma de fortalecer o Supremo perante os demais Poderes.
O julgamento atual foi iniciado em um contexto em que a Suprema Corte julga diversas pessoas sem cargo que envolva foro especial devido às investigações relacionadas aos atos golpistas de 8 de janeiro, quando as sedes dos três Poderes foram invadidas e vandalizadas.
Outro fato público com impacto sobre o tema foi a prisão do deputado Chiquinho Brazão (ex-União Brasil-RJ) suspeito de estar envolvido na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Na época do crime, ele era vereador, o que, em tese, poderia afastar a competência do Supremo sobre o assunto.
A análise foi retomada porque Gilmar enviou para o plenário um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que responde pela suposta prática de “rachadinha” quando era deputado federal ao tribunal.
O processo tramita atualmente na Justiça Federal em Brasília, em primeira instância. O parlamentar alega nunca ter deixado de ter cargo eletivo e apenas mudou de função —foi deputado de 2007 a 2014, vice-governador do Pará entre 2015 e 2018 e é senador desde 2019.
Dados de 2022 mostram que o número de ações penais e inquéritos na corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da mudança da norma, em 2018.