Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, apontou que a perda da sensibilidade visual pode ser um indicador precoce da doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência neurodegenerativa. Segundo os autores, essa situação poderia ajudar a prever o risco de alguém desenvolver a doença anos depois.
Conforme explicou Ahmet Begde, pesquisador na Escola de Esporte, Exercício e Ciências da Saúde da instituição e um dos responsáveis pelo estudo, a perda na sensibilidade visual pode acarretar em problemas no processo de percepção e interpretação de informações visuais. Isso inclui desde a menor capacidade de reconhecer objetos e rostos até sufoco para conseguir ler. “Uma pessoa com sensibilidade visual reduzida pode, por exemplo, encontrar dificuldades em ler placas de rua enquanto dirige”, descreveu Bedge em entrevista ao Medical News Today.
Publicado na revista científica Scientific Reports, o estudo foi motivado por pesquisas anteriores, que identificaram mudanças físicas nos olhos, como danos nos vasos sanguíneos, e a presença de placas beta-amiloide – consideradas uma das principais causas da doença de Alzheimer no cérebro – na retina e na lente dos olhos, como fatores associados à progressão da doença.
A metodologia do estudo envolveu, então, 8.623 pessoas com idade entre 48 e 92 anos, que foram acompanhadas durante 13 anos, de 2006 a 2019. Elas foram submetidas frequentemente a testes cognitivos em paralelo com o Teste de Sensibilidade Visual (conhecido pela sigla VST), uma ferramenta que avalia a velocidade de processamento visual e tempo de resposta motora simples e complexa, além sensibilidade ao contraste visual e capacidade de percepção visuoespacial.
Para realizar o VST, os participantes completaram duas versões do teste: uma simples e outra mais complexa. Na versão simples, eles foram orientados a pressionar a barra de espaço no computador sempre que percebessem a formação de um triângulo na tela. Já na versão complexa, eles precisaram identificar a orientação de um triângulo em constante movimento, apontando se ele estava para cima ou para baixo, em meio a uma série de pontos também em movimento, distribuídos aleatoriamente pelo campo visual.
Das pessoas avaliadas pelo estudo, 533 foram diagnosticadas com demência, sendo que todas elas tiveram pontuações significativamente inferiores nos testes visuais em relação àquelas que não desenvolveram a doença.
É importante destacar que esses participantes estavam em faixas etárias mais avançadas, tinham níveis mais baixos de escolaridade e eram menos ativos fisicamente. Além disso, a presença de problemas como diabetes e acidente vascular cerebral (AVC) foi mais comum entre aqueles diagnosticados com Alzheimer.
Exame complementar
Segundo Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, que não participou da pesquisa, a metodologia empregada na investigação pode ser considerada inovadora, embora a pesquisa tenha evidenciado que os testes padrões para detecção do Alzheimer, como o Hopkins Verbal Learning Test (HVLT) e Short Form of the Extended Mental State Examination (SF-EMSE), ainda apresentam maior especificidade e sensibilidade na previsão da demência.
“O Teste de Sensibilidade Visual (VST) pode ser incorporado como um exame complementar, adicionando uma dimensão importante às avaliações cognitivas, especialmente por ser um método mais acessível e menos invasivo. Além disso, esse teste pode ser particularmente útil em contextos em que recursos mais avançados de diagnóstico não estão disponíveis”, avalia Haddad.
Segundo o especialista, a integração dos testes visuais em avaliações cognitivas de rotina pode ser vantajosa para o rastreamento e o diagnóstico precoce da demência, que são grandes dificuldades relacionadas à doença. Tanto é que, muitas vezes, o quadro é descoberto apenas em estágios mais avançados. “O diagnóstico precoce é muito importante porque permite o início de tratamentos modernos, frequentemente direcionados às placas beta-amiloide, no momento ideal para controlar a progressão da doença”, destacou Haddad.
Sobre a possibilidade de o exame visual prever o Alzheimer com anos de antecedência, o especialista observa que essa é uma perspectiva promissora, já que isso poderia revolucionar a abordagem de indivíduos considerados de risco, permitindo intervenções mais precoces para retardar a progressão e até mesmo o desenvolvimento da doença. Mas ele pondera que há desafios para chegar nesse ponto. “É crucial que essas previsões sejam baseadas em avaliações multidimensionais, incluindo fatores genéticos, comportamentais e ambientais, para garantir sua precisão e eficácia”, exemplifica.
O neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz aponta ainda algumas limitações relevantes no estudo, incluindo a participação exclusiva de britânicos, o que levanta questionamentos sobre como os resultados poderiam ser aplicados em contextos demográficos e culturais diversos, como o Brasil, onde a heterogeneidade é significativa. Além disso, ele observa que o estudo não abordou diretamente a progressão da doença em diferentes estágios, o que poderia fornecer insights adicionais sobre a utilidade do VST em diversas fases do Alzheimer.
Em entrevista ao Medical News Today, Alexander Solomon, neuro-oftalmologista cirúrgico no Pacific Neuroscience Institute em Santa Mônica, na Califórnia, que não participou do trabalho, comentou que os resultados não surpreendem. Isso porque muitas pessoas associam a visão principalmente aos olhos, mas uma parte significativa do processamento visual ocorre no cérebro. “Quando paramos para pensar por esse lado, não é difícil imaginar que, à medida que o cérebro é comprometido por um processo como a demência, algumas partes que ajudam a processar nossa visão são afetadas”, disse.