Afinal, quem tem direito à saidinha? Entenda o que diz a lei | Legislação

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por Redação

Na última quinta-feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a questão principal do projeto de lei que busca acabar com as saídas temporárias da prisão para condenados que cumprem pena em regime semiaberto, conhecidas como “saidinhas”. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que fez o anúncio sobre o veto, argumentou que barrar essa prerrogativa, na interpretação dele, é uma medida inconstitucional. Afinal, o que diz a lei e quem são os presos que têm direito às saidinhas?

O Projeto de Lei (PL) 2253/22, que recebeu veto parcial de Lula, determina o fim do benefício de saída temporária em feriados e datas comemorativas para presos condenados. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a saidinha faz parte do retorno paulatino à liberdade e é garantido por lei.

O PL altera a Lei nº 7.210, Lei de Execução Penal, de 11 de julho de 1984. A nova lei também prevê o uso de tornozeleiras eletrônicas e a realização de exame criminológico para progressão de regime.

Renato Vieira, sócio do Kehdi Vieira Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM, explica que a saidinha é está prevista no Art. 122 da Lei de Execução Penal e que tem uma “conexão direta com a requisição de um convívio em plena liberdade”, além de fazer parte da estrutura de um cumprimento progressivo das penas.

“É o regime em que a pessoa já está próxima a reaquisição da sua liberdade plena, ou seja, um sistema de pena de cumprimento de pena progressivo, a pessoa já passou pelo sistema mais grave, está no sistema intermediário, voltando ao convívio mais regular com a sociedade”, diz Vieira.

Rafael Vilhena, advogado criminalista, comenta que a legislação diz que o regime semiaberto deve ser cumprido em Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, um tipo de presídio que favorece o trabalho externo. No entanto, “na falta de unidade adequada, os presos do semiaberto cumprem a pena com tornozeleira eletrônica, devendo se recolher à noite. Ou seja: esses presos já estão na rua. Eles podem sair para trabalhar.”

De acordo com o advogado, a lei fala que o regime semiaberto existe para possibilitar o trabalho, mas “como o Estado não consegue fornecer o trabalho intramuros, dentro da unidade prisional, ele permite que o preso saia para trabalhar”. As saídas são concedidas, geralmente, segundo Vilhena, em datas festivas como Natal, Semana Santa e Dia das Mães.

O Art. 124 da Lei de Execução Penal também dizia que a autorização para a saída seria concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. O texto foi revogado pela nova lei, mas a nova lei não prevê a quantidade de saídas concedidas no decorrer do ano.

Somente os presos que já progrediram de regime — do fechado para o semiaberto, ou seja, trabalham de dia e dormem no estabelecimento penitenciário — direito às saídas temporárias. O regime do preso — fechado, aberto ou semiaberto — vai depender da sentença estabelecida pelo juiz, mas a nova lei traz mudanças para quem pode utilizar o direito da saída.

Para ter acesso ao benefício, além de não ter cometidos os crimes tipificados na nova redação, é preciso seguir alguns parâmetros, também estabelecidos na Lei de Execução Penal:

  • Ter autorização concedida por um Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária
  • Contemplar os requisitos de bom comportamento,
  • Cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
  • Compatibilidade do benefício com os objetivos da pena, previstos no Art. 123 da lei.

Segundo Sergio Salomão Shecaira, ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e professor de criminologia da Faculdade de Direito da USP, a lógica da lei é fazer com que o preso, gradativamente, se reacostume a viver em liberdade.

O que muda com a nova lei:

Segundo os especialistas, a nova lei diminuiu o número de pessoas privadas de liberdade que podem ter acesso ao direito. Confira:

  • O texto anterior só excluía os condenados por crimes hediondos que resultaram em morte;
  • A nova lei diz que o condenado por crime hediondo, além de crimes com violência e grave ameaça à pessoa não podem ter o benefício, a exemplo de atividade típica de grupos de exterminios, estupro e tortura não terão direito à saída temporária ou a trabalho externo sem vigilância direta. Em relação a frequência de saída para fins de estudo, o novo texto diz que “o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.”

Segundo os especialistas ouvidos pelo Valor, a alteração pode ser julgada inconstitucional. Isso porque, segundo Vilhena, o Supremo já manifestou sobre a inconstitucionalidade da vedação à concessão de benefícios por questões similares, como na Lei de Drogas, que “atentava contra o princípio da individualização de pena”, disse ele.

Em que casos a saída temporária é permitida:

De acordo com o Art. 122 da Lei de Execução Penal, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, para:

  • visita à família;
  • freqüência em curso supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
  • participação em atividades que contribuam para o retorno ao convívio social.

Ainda segundo a lei, o benefício será revogado quando o preso praticar crime, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Nova lei também traz retorno do exame criminológico

Um dos trechos da nova lei trata do retorno do exame criminológico, criado em 1984, também na Lei de Execução Penal. O trecho, que não foi vetado pelo presidente Lula, afetará a progressão de regimes no sistema penitenciário, como no caso de presos que podem passar do regime fechado para o semiaberto, segundo especialistas. Os especialistas pontuam que o exame não possui comprovação científica de efetividade e pode gerar grandes despesas para o poder público.

O exame, segundo explica Shecaira, é feito por um psiquiatra, psicólogo, assistente social e um jurista que vai analisar a perspectiva de reintegração social do apenado. “Ocorre que, para você fazer isso, tem que contratar esses profissionais, colocá-los num presídio para fazer o exame e fazer com todos os presos que querem fazer a progressão do regime”, explica o professor. O problema, diz ele, é que os estados não vão ter condições, de imediato, de oferecer isso, o que pode gerar uma lentidão na progressão dos regimes.

“Isso significa uma inconstitucionalidade pelo aspecto de cálculo de dispêndio porque, com a emenda constitucional dos gastos, e da fixação de teto dos gastos no sistema brasileiro, toda a norma que institui gastos e implica em novas receitas, tem que passar por um estudo prévio e isso não aconteceu aqui”, diz Vieira.

O exame deixou de ser cobrado em 2003 e agora, segundo a nova redação, em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se demonstrar “boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão”.

Antes desse retorno, segundo Vieira, o Supremo passou a entender que “seria possível o exame criminológico para progressão em casos específicos e com fundamentação específica e concreta. Isso gerou até uma súmula vinculante número 26 do supremo”, diz.

O advogado explica que a retomada da exigência do exame para progressão de regime pode gerar uma “tendência à inefetividade da modificação de regime entre fechado e semiaberto”, dificultando que o preso chegue a um regime menos grave. “É um impedimento à ressocialização”, pontua.

A lei foi publicada nesta sexta-feira (12) e os trechos que não foram vetados já estão em vigor. O projeto retornará para o Congresso Nacional para que se aprecie o veto em 30 dias.

Fonte: Externa

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