Em seu site pessoal, a bailarina e coreógrafa Marina Abib, de 36 anos, se define como uma “artista em reabilitação”. Artista ela é desde 1991, quando, aos três anos, começou a estudar balé. Em reabilitação, está desde 2022, quando recebeu o diagnóstico de encefalite autoimune – uma doença inflamatória que virou sua vida pelo avesso.
“Passou um turbilhão de emoções pela minha cabeça: medo, incerteza, frustração… Mas, em algum lugar dentro de mim, surgiu uma força silenciosa que dizia: ‘Você vai superar!’”, recorda.
Vai superar, não – está superando. Todos os dias, Marina conquista pequenos avanços. “Avanços que, para mim, são gigantescos”, reflete a dançarina paulistana.
Primeiro, ela conseguiu recuperar alguns movimentos da perna. Aos poucos, melhorou sua força física. Por último, está voltando a se alimentar sem sonda. “Ainda não voltei a andar, mas já posso dizer que estou a caminho. O corpo vai respondendo aos estímulos e cada avanço é uma esperança renovada”, avalia Marina, que está prestes a trocar a cadeira de rodas pelo andador.
A melhor hora do dia, não por acaso, é quando faz fisioterapia. “Mesmo com a dor e o cansaço, sinto que estou mais próxima de voltar a me mover como antes”, orgulha-se. A pior hora, em compensação, é quando acorda. “Lidar com as limitações é sempre um momento de profunda reflexão. É quando a realidade pesa um pouco mais. Mas, ao longo do dia, tento transformar essa sensação em motivação.”
Marina está tendo que reaprender também a falar e a comer. Por essa razão, é acompanhada por uma equipe multidisciplinar formada por nove pessoas, incluindo neurologista, fonoaudiólogo, nutricionista e cuidadores 24 horas.
Sozinha, ela admite que não estaria conseguindo. Como diria aquela velha canção dos Beatles, a bailarina está tendo uma pequena ajuda de seus amigos. Ou melhor, uma grande ajuda. Entre remédios, terapias e outras despesas médicas, os gastos chegam a cerca de R$ 60 mil por mês. Na ponta do lápis, algo em torno de R$ 720 mil por ano.
Para ajudar a arrecadar esse valor, acaba de ser lançado o terceiro vídeo da campanha Marina em Movimento (veja abaixo), uma verdadeira ação entre amigos.
O publicitário Marco Iarussi é um dos novos companheiros de luta. Conhece Marina desde 2022, quando foi convidado para dar início a uma campanha de arrecadação. A reunião aconteceu numa sala da clínica onde Marina estava internada. “O clima era de preocupação”, recorda. “O quadro ainda era muito delicado e a família não tinha como pagar o tratamento”.
À época, Marina tinha deixado a UTI havia algumas semanas: não falava, se alimentava por sonda e dependia de cuidados médicos 24 horas por dia. Para piorar a situação, o convênio negou o fornecimento do remédio. Isso obrigou a família a entrar na Justiça. Enquanto aguardava uma decisão do juiz, acumulou dívidas.
“O principal desafio é mostrar que, apesar dos avanços, sua recuperação está longe de ser completa. Para quem acompanha apenas os momentos felizes pelas redes sociais, pode parecer que está bem. Mas a realidade é outra: sua luta diária envolve um custo altíssimo”, diz. “Nosso esforço é equilibrar a narrativa: não queremos apelar para o sensacionalismo, mas queremos deixar claro: o apoio financeiro ainda é urgente e necessário”.
À beira de um vulcão
Para o primeiro vídeo da campanha, lançado no ano passado, Iarussi entrevistou 15 amigos de Marina, do Brasil e do exterior, incluindo músicos, dançarinos, coreógrafos…
Maria Eugênia foi uma das pessoas que gravaram depoimentos. Ela conheceu Marina – a quem chama carinhosamente de Má – no Instituto Brincante, em São Paulo, em 2004. Naquele ano, sua futura melhor amiga era aluna de sua mãe, Rosane Almeida. “Numa apresentação de fim de ano, fiquei impressionada: ‘Nossa, quem é essa menina danada?’”, recorda Maria Eugênia.
Pouco tempo depois, a “menina danada” foi convidada a fazer parte de um espetáculo de dança do pai de Maria Eugênia, o músico pernambucano Antonio Nóbrega. “Certa ocasião, eu e a Má formamos um duo de dança e tínhamos que criar uma coreografia. Nossa, foi muito divertido! Demos muita risada juntas”, lembra. De amigas, as duas viraram sócias. Em 2008, fundaram a Companhia Soma, que durou 11 anos.
No ano em que se conheceram, viajaram, de mochila nas costas, para o Chile. Um dos passeios da viagem foi a escalada do vulcão Osorno. “Achei que seria tranquilo, mas estava enganada. Foi uma subida tenebrosa”, relata. Diante do vento forte, Maria Eugênia começou a sentir medo e pensou em desistir – Marina, porém, não deixou. “Sempre foi uma pessoa de muita coragem”, emociona-se. “Nunca deixou ninguém para trás”.
Além de disponibilizar um site para doações (o gerandobondade.com.br/marina), a campanha abrange ações beneficentes. Uma das mais recentes foi o Aulão do Bem, projeto idealizado por Lu Fernandez. Um desses “aulões” foi ministrado pela bailarina Ana Botafogo, em São Paulo, e o valor arrecadado foi revertido para o tratamento.
Salto para o impossível
Mas, afinal, o que é encefalite autoimune? Como o nome já diz, encefalite é uma inflamação no cérebro. Autoimune é quando o sistema imunológico, em vez de proteger o organismo de invasores, como vírus ou bactérias, resolve atacá-lo.
Segundo a neurologista Taíssa Ferrari Marinho, doutora em Ciências da Saúde pelo Albert Einstein Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa, a condição pode provocar danos neurológicos, como fraqueza muscular e perda de memória, e transtornos psiquiátricos, como paranoia e alucinações. “Alguns pacientes têm predisposição genética. Nem todos apresentam uma causa definida”, afirma a médica.
Primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Ana diz que, para uma bailarina, dançar é tão importante quanto respirar. “Sem movimento, a Marina ficou com pouco ‘oxigênio’ para viver”, compara.
“Trabalhei a minha vida toda com o corpo. Sei o quanto é necessário mantê-lo vivo e em exercício. É triste para uma bailarina ser privada de seus movimentos. Por outro lado, é lindo quando podemos, através da dança, ser solidários. Vamos ajudar a Marina”, incentiva Ana.
A encefalite autoimune é grave, mas tem tratamento, que consiste em remover ou diminuir a ação dos anticorpos. Em geral, o médico prescreve o uso de corticosteroides e imunoglobulinas. Ou, ainda, de imunossupressores para controlar a infecção.
“Dependendo da gravidade, a recuperação pode levar semanas ou meses. Quanto antes iniciar o tratamento, maiores são as chances de recuperação”, pondera. “Com diagnóstico precoce e tratamento adequado, é possível controlar a inflamação e ajudar o paciente a levar uma vida normal.”
Marina não vê a hora de voltar à rotina de viagens, ensaios e apresentações. Ao longo dos anos, aprendeu a dançar frevo, a tocar percussão e a praticar capoeira. Viajou para Espanha, Itália e Portugal, entre outros países.
“Do que eu mais sinto falta? De tudo! Mas, principalmente, da indescritível sensação de estar no palco. O calor das luzes, o silêncio antes do espetáculo, a conexão com a plateia… É algo mágico!”, define. “Acredito, de todo o coração, que vou voltar a dançar. A dança é a minha vida. É uma forma de existência.”
Enquanto não volta a subir em um palco, ela desenvolve outros projetos. Formada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marina planeja escrever um livro e lançar um documentário.
É também curadora do evento Ouse e explica que, para ela, ousadia é ter a coragem de se lançar no desconhecido. E se reinventar diante dos obstáculos. “O momento mais ousado da minha vida é agora. Lutar contra essa doença, mesmo com todas as incertezas, é o maior ato de ousadia que já vivi.”