As tensões entre Guiana e Venezuela sobre Essequibo — território guianense — escalaram na noite de quarta-feira (3), após Nicolás Maduro, presidente venezuelano, promulgar uma lei que cria, sem o reconhecimento internacional, de uma província no local disputado entre os dois países.
A primeira menção de Lula sobre o caso Essequibo aconteceu no dia 3 de dezembro do ano passado, ao dizer que espera “bom senso” do lado da Venezuela e da Guiana sobre a tentativa de anexação do território pelos venezuelanos.
O comentário foi feito no dia em que a Venezuela realizou um referendo para anexar Essequibo, localidade rica em petróleo e que corresponde a cerca de 70% do território da Guiana.
O presidente ainda completou sua fala dizendo que “se tem uma coisa que o mundo não está precisando, se tem uma coisa que a América do Sul não está precisando agora, é de confusão”
Lula também tratou do caso em cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 2023, dizendo que o bloco econômico “não pode ficar alheio a essa situação (de Essequibo)” e que “não queremos que esse tema contamine a integração regional ou ameace a paz e a estabilidade”.
O presidente brasileiro ainda completou sua fala ressaltando que a América do Sul não necessita de guerras. “Vamos tratar com muito carinho, porque uma coisa que não queremos na América do Sul é guerra. Não precisamos de guerra, de conflito; precisamos construir a paz.” Ainda na cúpula do Mercosul, Lula ofereceu que o Brasil sediasse a mediação entre Venezuela e Guiana sobre Essequibo.
O governo brasileiro intensificou sua participação na mediação do conflito, na medida que o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, foi enviado para São Vicente e Granadinas para tentar mediar uma reunião entre Nicolás Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali.
Em fevereiro deste ano, Lula ainda tratou do tema de Essequibo com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. Em dezembro, Blinken telefonou para o chanceler Mauro Vieira e agradeceu ao Brasil pela “liderança diplomática” na busca por uma solução pacífica nessa disputa.
A última reação de Lula sobre o caso aconteceu no dia 29 de fevereiro, ao dizer que não comentou sobre Essequibo nas reuniões com Ali e Maduro na da cúpula da Caricom (Comunidade do Caribe) em Georgetown.
“Nós não discutimos [Lula e Ali] a questão de Essequibo porque não é o momento. Era uma reunião bilateral para discutir investimentos. Mas o presidente Irfaan Ali sabe, assim como o presidente Maduro, que o Brasil está disponível para conversar a hora que for necessário, quando for necessário, porque nós queremos convencer de que é possível encontrar, através de muito diálogo, a manutenção da paz”, disse Lula.
Entenda a escalada do conflito por Essequibo
Nicolás Maduro promulgou, na noite de quarta-feira, a “Lei Orgânica para a Defesa de Essequibo”, que cria a província da Venezuela em Essequibo — território de soberania da Guiana.
As tensões sobre o território viram uma escala em dezembro do ano passado, quando a Venezuela realizou um referendo sobre a incorporação do território de Essequibo, no qual 95% dos eleitores votaram a favor.
“As tensões sobre o tema se agravaram mais a partir da entrada do governo Maduro e sua tentativa de desviar a atenção dos problemas internos, já que a Venezuela se aproxima das eleições. Hoje, eu acredito que o foco é mais político para o país do que econômico, apesar do fator econômico ainda ser muito forte”, disse Alberto do Amaral Júnior, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o especialista, a incorporação do território estimula o sentimento nacionalista e de união do povo venezuelano perto da data das eleições do país.
A previsão é que as eleições da Venezuela sejam feitas até julho deste ano. Por outro lado, estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris, com a maior parte dos recursos localizados “offshore” — no mar perto de Essequibo.
História do conflito por Essequibo
Apesar do agravamento recente, este território é disputado pelos países há quase 200 anos. A disputa se iniciou em 1835, quando o Reino Unido delimitou as fronteiras da Guiana, por meio do traçado Schomburgk.
A resolução acrescentou 80 mil quilômetros ao território da Guiana. Com isso, um imenso território rico em ouro deixou de pertencer à Venezuela. Para o país, o limite de suas terras chegava até o rio Essequibo
Em 1899, uma comissão arbitral em Paris concedeu 95% do território em disputa à Guiana. No entanto, em 1962, a Venezuela declarou a região como uma Zona em Reclamação. Em 1966, com a independência da Guiana, os dois países assinaram um tratado em Genebra em que reconheciam a controvérsia.
Em dezembro de 2023, Guiana e Venezuela assinaram um acordo proibindo ameaças e o uso da força no conflito envolvendo Essequibo.
Próximos capítulos do conflito
Amaral explica que é difícil de prever os próximos passos do conflito, mas que pode-se esperar que a Venezuela continue pressionando a Guiana pelo território.
“Tudo ainda está muito incerto. A Venezuela vai continuar insistindo em Essequibo, mas não uma invasão à Guiana, uma vez que isso traria os americanos para o conflito e há um acordo de não violência entre os países”, disse.
O acordo mencionado por Amaral foi feito em dezembro de 2023, quando os presidentes da Venezuela e Guiana assinaram uma declaração conjunta em que concordam em não usar a força na disputa por Essequibo. Confira os 11 tópicos acordados pelos chefes de estado:
- Concordaram que a Guiana e a Venezuela, direta ou indiretamente, não ameaçarão ou usarão a força uma contra a outra em quaisquer circunstâncias, incluindo aquelas decorrentes de quaisquer controvérsias existentes entre os dois Estados.
- Acordaram que quaisquer controvérsias entre os dois Estados serão resolvidas de acordo com o direito internacional, incluindo o Acordo de Genebra datado de 17 de fevereiro de 1966.
- Comprometidos com a busca da boa vizinhança, da coexistência pacífica e da unidade da América Latina e do Caribe.
- Tomou nota da afirmação da Guiana de que está comprometida com o processo e procedimentos do Tribunal Internacional de Justiça para a resolução da controvérsia fronteiriça. Tomou nota da afirmação da Venezuela sobre a sua falta de consentimento e de reconhecimento do Tribunal Internacional de Justiça e da sua jurisdição na controvérsia fronteiriça.
- Concordaram em continuar o diálogo sobre quaisquer outras questões pendentes de importância mútua para os dois países.
- Acordaram que ambos os Estados se absterão, seja por palavras ou actos, de agravar qualquer conflito ou desacordo resultante de qualquer controvérsia entre eles. Os dois Estados cooperarão para evitar incidentes no terreno que conduzam à tensão entre eles. No caso de tal incidente, os dois Estados comunicar-se-ão imediatamente entre si, a Comunidade do Caribe (Caricom), a Comunidade da América Latina e do Caribe (Celac) e o Presidente do Brasil para conter, reverter e prevenir sua recorrência.
- Concordaram em estabelecer imediatamente uma comissão conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e de técnicos dos dois Estados para tratar de questões mutuamente acordadas. Uma atualização desta comissão conjunta será submetida aos presidentes da Guiana e da Venezuela dentro de três
- Ambos os Estados concordaram que o Primeiro Ministro Ralph E. Gonsalves, o Presidente Pro Tempore da Celac, o Primeiro Ministro Roosevelt Skerrit, o atual Presidente da Caricom, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Brasil continuarão cuidando do assunto como Interlocutores e o Secretário da ONU -General, Antonio Guterres como Observador, com a concordância contínua dos Presidentes Irfaan Ali e Nicolas Maduro. Para evitar dúvidas, o papel do Primeiro-Ministro Gonsalves continuará mesmo depois de São Vicente e Granadinas deixar de ser o Presidente Pro Tempore da Celac, no âmbito da Troika Celac mais um; e o papel do Primeiro Ministro Skerrit continuará como membro do Bureau da Caricom.
- Ambos os Estados concordaram em se reunir novamente no Brasil, nos próximos três meses, ou em outro horário acordado, para considerar qualquer assunto com implicações para o território em disputa, incluindo a atualização da comissão mista acima mencionada.
- Expressamos o nosso agradecimento aos Primeiros-Ministros Gonsalves e Skerrit, ao Presidente Lula e ao seu Enviado Pessoal Celso Amorim, a todos os demais Primeiros Ministros da Caricom presentes, aos funcionários do Secretariado da Caricom, à Troika da Celac e ao Chefe do Secretariado PTP da Celac em São Vicente e Granadinas, Sua Excelência Dr. Douglas Slater, pelos seus respectivos papéis no sucesso desta reunião.
- Expressamos o nosso agradecimento ao Governo e ao povo de São Vicente e Granadinas pela sua gentil facilitação e hospitalidade nesta reunião.
*Estagiário sob a supervisão de Diogo Max