Estamos vivendo a era das academias de baixo custo, que geralmente oferecem uma ótima estrutura, com equipamentos modernos e de alta qualidade. O baixo custo, no entanto, vem com um preço: os profissionais nas salas de musculação não conseguem dar a devida atenção a todos os clientes. O resultado é que muitas pessoas acabam treinando por conta própria, ficando responsáveis por programar, monitorar e ajustar seus próprios exercícios, mesmo sem ter formação técnica e científica para tal.
É compreensível que os frequentadores de academia com alguma experiência sintam-se confortáveis em montar seus próprios treinos. Afinal, treinar é tão efetivo e produz resultados positivos em tantas configurações diferentes que, mesmo longe de realizar treinos otimizados, essas pessoas vão, sim, obter bons resultados. É igualmente compreensível que os menos familiarizados com a ciência do treinamento pensem que montar um treino de musculação seja tarefa simples, já que, pelo senso comum, bastaria fazer três séries de 10 repetições ou quatro séries de 15 repetições de cada movimento – ou algo próximo disso.
Mas não se enganem, caros leitores. Embora a musculação pareça ser uma modalidade de treino simples, muitas são as variáveis que precisam ser definidas ao elaborar um programa de treinamento: quanto peso, quantas séries, quantas repetições, quantos exercícios, quais exercícios, quanto tempo de descanso, e tantas outras. Basta estudar um pouco sobre a ciência do treinamento de força para perceber que todas essas variáveis podem afetar os resultados, e que o simples pode se tornar relativamente complexo.
Dentre tantas dúvidas a serem resolvidas ao se definir um programa de treinamento, uma das mais comuns é: devo dar preferência aos exercícios realizados com pesos livres ou aos realizados em máquinas? É o que irei aqui analisar.
Exercícios com pesos livres são aqueles feitos com barras soltas e anilhas, com halteres, kettlebells, ou aparatos similares. São, portanto, exercícios com mais graus de liberdade, nos quais o praticante define em quais planos dimensionais (para cima/baixo, direita/esquerda, frente/atrás, e a combinação de todas essas possibilidades) o exercício ocorre, quais articulações estão envolvidas no movimento, e qual amplitude o movimento tem.
Já os realizados em máquina normalmente permitem apenas um grau de liberdade, não permitem alterações nos planos dimensionais de movimento e exibem limites para a amplitude do movimento.
Qual é melhor?
Tradicionalmente, acredita-se que exercícios com pesos livres são superiores aos realizados em máquinas, pois eles exigem estabilização de diversas articulações e segmentos corporais, além de desenvolverem capacidades coordenativas e maior sincronia entre neurônios e músculos. Além disso, por serem mais semelhantes a movimentos usados no dia-a-dia, assume-se que sejam exercícios com maior transferência para a vida real e, portanto, mais “funcionais”. De fato, alguns estudos mostram maior ativação neuromuscular para exercícios com pesos livres quando comparados com os realizados em máquinas.
Por outro lado, algumas (fracas) evidências indicam maior frequência de lesões em exercícios com pesos livres e, portanto, os realizados em máquinas são normalmente tidos como mais seguros. Contudo, a maior parte das lesões envolve acidentes com os pesos, sendo facilmente evitadas com boas práticas de segurança. Ademais, exercícios em máquinas requerem menor grau de habilidade para serem executados, sendo adequados para todos os níveis de aptidão e habilidade, ao passo que alguns exercícios com pesos livres exigem certo grau de habilidade e aptidão prévia.
A despeito dessas diferenças, e da crença de que exercícios com pesos livres são superiores aos realizados em máquina, a literatura científica tem mostrado com bom grau de clareza que ambas as formas de exercício são bastante similares em promover ganhos de força e de massa muscular. Também parecem ser similares em relação a melhoras de algumas capacidades físicas importantes para o esporte.
Ainda que esses resultados pareçam contradizer a lógica de que exercícios mais complexos são superiores, eles, na verdade, devem ser vistos com otimismo. Treinar de forma simples e acessível e, ainda assim, obter ganhos similares aos treinos mais complexos deveria servir como convite a todos, incluindo os menos aptos e habilidosos, a treinar. Não obstante, adequar individualmente o grau de dificuldade e de complexidade do treinamento às habilidades e objetivos de cada praticante continua sendo uma boa ideia.