Leptospirose, diarreia, cólera: guia traz orientações sobre doenças ligadas a desastres climáticos

Redação
por Redação

Em meio às inundações que assolam o Rio Grande do Sul desde o final de abril, o Estado confirmou na última terça-feira, 22, sua segunda morte por leptospirose relacionada à tragédia climática. Além dos óbitos, o RS contabiliza 304 casos suspeitos da doença e 19 confirmados, de acordo com os últimos dados divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). Além da leptospirose, contudo, especialistas alertam que outras doenças também podem ter sua incidência aumentada devido às inundações.

Diante desse cenário, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em parceria com a Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), elaborou um guia de manejo de infecções relacionadas a desastres climáticos. O objetivo é fornecer orientações aos profissionais de saúde para minimizar os impactos das inundações na saúde das pessoas que vivem em áreas afetadas, que, inevitavelmente, podem entrar em contato com águas contaminadas ou enfrentar um aumento na disseminação de doenças, especialmente em ambientes como abrigos, onde há uma grande concentração de pessoas.

Até o momento, foram contabilizadas 467 cidades afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul Foto: Anselmo Cunha/ANSELMO CUNHA

Ao todo, foram listados 26 tipos de riscos e doenças que podem ter seus índices aumentados em cenários como o vivenciado pelo Estado gaúcho. Entre esses, estão incluídos, por exemplo, cólera, febre amarela, hepatite A, leptospirose, difteria, dengue e diarreia aguda.

Veja abaixo algumas das orientações destacadas no documento elaborado pelas entidades médicas. Para acessar o guia completo, basta clicar aqui. Vale lembrar que, na ocorrência de sintomas de qualquer uma das condições abaixo, o paciente deve procurar um profissional de saúde.

Cólera

A cólera é uma infecção bacteriana causada pelo Vibrio cholerae e tem a diarreia como seu principal sintoma. Essa condição pode levar à desidratação grave e, se não tratada adequadamente, pode levar ao óbito da pessoa infectada. A transmissão da cólera ocorre por via fecal-oral, ou seja, pelo contato de fezes com a boca por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados. Além disso, pode ser transmitida de pessoa para pessoa (contato boca-ânus, como em relações sexuais desprotegidas ou quando uma mãe limpa o filho e, de forma despercebida, leva a mão à boca antes de lavá-la).

O período de incubação da doença varia de 12 horas a 5 dias, mas para fins de investigações epidemiológicas, é considerado um período padrão de dez dias. Em situações de enchentes, o risco de surtos de cólera aumenta significativamente devido à contaminação de fontes de água e alimentos.

Sintomas

A cólera pode ser assintomática ou apresentar sintomas leves em alguns casos. No entanto, os casos graves podem evoluir rapidamente. As manifestações clínicas podem incluir:

  • Diarreia aquosa abundante e incontrolável, sem presença de sangue;
  • Náuseas e vômitos;
  • Cãibras musculares;
  • Desidratação, que pode se manifestar como boca seca, sede intensa, pele seca e enrugada;
  • Letargia
  • Desmaios
  • Em casos graves, pode ocorrer choque hipovolêmico (ocorrência emergencial causada pela perda, em grande quantidade, de líquidos e sangue)

Orientações

  • Em casos suspeitos, a notificação deve ser feita em até 24 horas à vigilância epidemiológica;
  • A cólera pode levar à desidratação rápida e severa, portanto, o tratamento imediato é crucial;
  • A reidratação é a chave para o tratamento e deve ser iniciada o mais rápido possível, mesmo antes da confirmação do diagnóstico.

Doenças diarreicas agudas

As doenças diarreicas agudas (DDA) se configuram como um grupo de doenças infecciosas gastrointestinais, caracterizadas por uma síndrome com presença de diarreia, com aumento do número de evacuações (mínimo de 3 episódios em 24 horas), podendo ou não ser acompanhada da presença de sangue e muco nas fezes (disenteria).

Sintomas

Além dos quadros de diarreia, os sintomas das DDA, que geralmente aparecem de 1 a 8 dias após a infecção, podem incluir:

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  • Dor abdominal
  • Febre
  • Náusea
  • Vômitos

Orientações

Caso seja diagnosticado com o problema, o paciente deve receber tratamento de suporte, incluindo hidratação oral ou intravenosa e dieta leve. Além disso, outras recomendações devem ser levadas em consideração:

  • O tratamento com antibiótico é reservado para casos de disenteria e comprometimento do estado geral do paciente;
  • O uso de antidiarréicos são contraindicados;
  • Remédios para prevenir náuseas e vômitos devem ser prescritos apenas se o paciente apresentar esses sintomas. Isso evita possíveis problemas hepáticos e dificuldades para ingestão de soros voltados à hidratação.

Difteria

É uma doença transmissível e causada por bactéria Corynebacterium diphtheriae que atinge as amígdalas, faringe, laringe, nariz e, ocasionalmente, outras partes do corpo, como pele e mucosas. A presença de placas na cor branco-acinzentada nas amígdalas e partes próximas é o principal sintoma da difteria. Dependendo do tamanho e de onde as placas aparecem, a pessoa pode sentir dificuldade de respirar. Em casos mais graves, porém raros, podem aparecer inchaços no pescoço e gânglios linfáticos.

A transmissão da difteria ocorre basicamente por meio da tosse, espirro ou por lesões na pele, ou seja, a bactéria da difteria é transmitida pelo contato direto da pessoa doente ou portadores (aquele que tem a bactéria no organismo e não apresenta sintomas) com a pessoa suscetível, por meio de gotículas eliminadas por tosse, espirro ou ao falar. Importante ressaltar que o portador pode expelir a bactéria por seis meses ou mais.

Sintomas

Os principais sintomas da difteria, que surgem geralmente após seis dias da infecção, são:

  • Membrana grossa e acinzentada cobrindo as amígdalas e podendo cobrir outras estruturas da garganta;
  • Dor de garganta discreta;
  • Gânglios inchados (linfonodos aumentados) no pescoço;
  • Dificuldade em respirar ou respiração rápida em casos graves;
  • Palidez;
  • Febre não muito elevada;
  • Mal-estar.

Orientações

  • A medida terapêutica eficaz na difteria é a administração do soro antidiftérico (SAD), que deve ser feita em unidade hospitalar. O objetivo é inativar a toxina circulante o mais rápido possível, possibilitando a circulação de excesso de anticorpos em quantidade suficiente para neutralizar o problema.
  • O uso de antibiótico deve ser considerado como medida auxiliar.
  • É válido ressaltar que a principal forma de prevenção da difteria é por meio da vacina pentavalente, disponível no Programa Nacional de Imunizações do Sistema Único de Saúde (SUS).

Febre amarela

A febre amarela é uma doença viral aguda transmitida principalmente por mosquitos dos gêneros Aedes (ciclo urbano), e Haemagogus e Sabethes (ciclo silvestre). Nas áreas afetadas por enchentes, a alteração do habitat pode favorecer a proliferação desses vetores.

O período de incubação da doença varia, geralmente, de 3 a 6 dias. Após exposição em áreas de risco, o surgimento de casos pode ser esperado dentro desse intervalo, com um possível aumento na incidência devido ao deslocamento populacional e à mudança nos habitats dos mosquitos.

Sintomas

  • Febre
  • Calafrios
  • Dor de cabeça
  • Dor nas costas
  • Mal-estar
  • Náuseas e vômitos.

A maioria das pessoas costuma melhorar após estes sintomas iniciais. No entanto, cerca de 15% das pessoas podem apresentar uma ‘falsa melhora’, com diminuição dos sintomas por um breve período, que pode durar horas a um dia. Após esse período, contudo, elas desenvolvem uma forma mais grave da doença, que inclui icterícia (amarelão da pele), dor abdominal intensa, sangramentos em sistema digestivo (vômitos ou fezes com sangue) e insuficiência renal.

Orientações

Não existe tratamento específico para a febre amarela. Portanto, o manejo baseia-se em medidas de suporte, visando aliviar os sintomas e tratar complicações. Isso inclui:

  • Hidratação adequada
  • Uso de antipiréticos para febre e dor
  • Monitoramento e tratamento de disfunções orgânicas em casos graves
  • Pacientes com formas graves devem ser encaminhados para unidades de terapia intensiva

Hepatite A

A Hepatite A é uma infecção causada pelo vírus A (HAV) da hepatite. Na maioria dos casos, é uma doença de caráter benigno, contudo o curso sintomático e a letalidade aumentam com a idade. Durante e após enchentes, o risco de transmissão aumenta significativamente devido à falta de condições de higiene e saneamento adequadas. As inundações podem contaminar a água potável com esgoto, levando à disseminação do vírus. Além disso, o contato direto com água ou alimentos contaminados e a aglomeração nos abrigos podem aumentar a transmissão.

Modo de transmissão: a hepatite A é transmitida pela via fecal-oral e está relacionada às condições de saneamento básico, higiene pessoal, relação sexual desprotegida (contato boca-ânus) e qualidade da água e dos alimentos.

Período de incubação: em média 28 dias (variando de 15 a 50 dias). Os indivíduos infectados transmitem durante o período de incubação e permanecem assim por cerca de uma semana após o aparecimento da icterícia (um dos sintomas da doença).

Sintomas

No caso das crianças, a hepatite A costuma ser assintomática. Já nos adultos, os sintomas costumam acontecer em 70% dos casos, dividindo se em:

  • Período prodrômico ou pré-ictérico

Nesse caso, o paciente pode desenvolver uma série de sintomas, que variam de pessoa para pessoa, como anorexia, náuseas, vômitos, diarreia ou, raramente, constipação, febre baixa, dor de cabeça, mal-estar, fadiga, alteração de paladar e olfato, fotofobia, entre outros.

Além do surgimento da icterícia, nessa fase observa-se urina escura e fezes claras, fígado aumentado com episódios de dor, com ocasional aumento do baço.

Acontece após o fim da icterícia. A recuperação completa ocorre após algumas semanas, mas a fraqueza e o cansaço podem persistir por vários meses.

Vale mencionar que a insuficiência hepática fulminante também pode ocorrer, mas geralmente ocorre em menos de 1% dos casos e é mais frequente em adultos.

Orientações

Após a identificação dos primeiros casos, devem-se estabelecer medidas de cuidado em relação à água de consumo, à manipulação de alimentos e às condições de higiene e de saneamento básico junto aos locais em que casos foram identificados.

Atenção especial deve ser dirigida aos abrigos, onde há aglomerados de pessoas, muitas vezes com escassez de água para consumo e higienização. No contexto de aglomerações, evitar compartilhar itens pessoais, como escovas de dentes, utensílios de cozinha, copos, talheres etc.

Cuidados que um portador de hepatite A deve tomar:

  • Lavar as mãos frequentemente com água e sabão, especialmente após ir ao banheiro (além de água e sabão, antissépticos à base de álcool também podem ser usados)
  • Não manipular alimentos que serão consumidos por outras pessoas.
  • Não compartilhar itens pessoais, como escovas de dentes, utensílios de cozinha, copos, talheres etc.
  • Informar pessoas próximas sobre a condição de hepatite A para que possam tomar precauções.
  • Deve-se utilizar hipoclorito de sódio a 2,5% ou água sanitária ao lavar o banheiro utilizado por uma pessoa com hepatite A.

Quem vacinar?

Desde 2014, a vacina hepatite A é recomendada pelo PNI para todas as crianças aos 12 meses de idade (até os 5 anos, se ainda não vacinadas).

Nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIEs), a vacina hepatite A é indicada para alguns grupos de risco, tais como transplantados e portadores de HIV/Aids.

Leptospirose

A leptospirose é uma doença infecciosa provocada pela bactéria do gênero Leptospira, geralmente adquirida através do contato com água ou solo contaminados pela urina de animais infectados, principalmente ratos. Dessa forma, enchentes são reconhecidas como ambientes propícios para a disseminação da doença, elevando o risco para aqueles expostos às águas.

Sintomas

As manifestações clínicas variam desde formas assintomáticas até quadros graves. É importante ressaltar que os sintomas podem se manifestar de 2 a 30 dias após a infecção. Portanto, é necessário estar atento ao sinais após todo esse período.

  • Fase inicial: febre alta, náuseas, vômitos, conjuntivite, sangramentos (petéquias, epistaxe, hemorragia conjuntival, gengivorragia), exantema, hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e do baço)
  • Fase imune com leptospirúria: aumento da febre, insuficiência respiratória, síndrome do desconforto respiratório agudo, hemorragia pulmonar, insuficiência renal aguda, etc.
  • Quadro clínico das formas graves: Síndrome de Weil, disfunções orgânicas, como disfunção hepática com icterícia, falência renal, síndrome do desconforto respiratório agudo, falência cardíaca, etc.

Sinais clínicos de alerta (indicada internação hospitalar)

  • Tosse, dispneia, taquipneia, escarros
  • Alterações urinárias
  • Fenômenos hemorrágicos
  • Hipotensão
  • Alterações do nível de consciência
  • Vômitos frequentes
  • Arritmias
  • Icterícia

Orientações

Embora o uso de antimicrobianos não seja recomendado como conduta de rotina, a nota ressalta que em situações de alto risco, onde há exposição contínua a alagamentos e águas contaminadas, com ou sem lesões na pele, essa intervenção pode ser considerada.

A principal recomendação das entidades responsáveis pelo documento é o uso de doxiciclina, administrada em dose única para adultos em pós-exposição de alto risco. Para crianças, a dose é calculada com base no peso corporal, com dose máxima estabelecida. Como alternativa, a azitromicina pode ser utilizada nas mesmas condições.

É importante frisar que a profilaxia deve ser feita apenas com orientação médica. Além disso, ela não oferece uma proteção absoluta contra a leptospirose, e mesmo aqueles que fazem uso dos medicamentos recomendados ainda podem contrair a doença. Além disso, gestantes e lactantes não devem utilizar doxiciclina como medida preventiva.

Fonte: Externa

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