O ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência, Paulo Pimenta (PT-RS), afirma que cortou verba publicitária da Jovem Pan em razão de fake news disseminadas pela emissora.
Ele diz que seguiu entendimentos do TCU (Tribunal de Contas da União), ainda que não haja decisão que cite especificamente a emissora.
A Jovem Pan foi excluída das primeiras ações publicitárias da gestão Lula (PT). Em dezembro, porém, a emissora recebeu cerca de R$ 90 mil da Secom para veicular jingles da campanha de fim de ano do governo federal.
O veículo se tornou alvo do Ministério Público Federal por abrigar comentaristas bolsonaristas que defenderam teses golpistas sobre as urnas eletrônicas. Em novembro de 2022, a Jovem Pan ainda perdeu a monetização de seus vídeos no Youtube por “repetidas violações das políticas contra a desinformação em eleições”, o que só foi revertido recentemente.
“Não foi por uma decisão política, existe uma recomendação do TCU, a partir de um encaminhamento sobre veículos que propagavam fake news. Portanto nós simplesmente seguimos a orientação e a regra dessa recomendação de evitar a vinculação de conteúdo”, disse Pimenta à Folha.
“Como foi aberta investigação específica sobre a questão da Jovem Pan, inclusive depois do 8 de janeiro, por conta dessa vedação, nós nos sentimos sem possibilidade de manter a empresa no plano de mídia“, acrescentou.
Questionado sobre a reaparição da emissora em campanha publicitária da Secom de dezembro, Pimenta mudou o discurso e disse que não há veto para anunciar na empresa. “Não há uma vedação, há uma recomendação, uma orientação.”
“Se uma agência, se um ministério, entende que para uma determinada a campanha a Jovem Pan… Não tem nenhuma vedação nesse sentido”, disse ainda.
Procurada, a Jovem Pan não quis se manifestar.
Nos quatro anos de Bolsonaro (2019-2022), a rede de rádio e TV firmou contratos com o governo que somaram R$ 18,8 milhões, de acordo com informações públicas da Secom sobre as campanhas da própria pasta e de ministérios.
A soma ainda desconsidera os valores de anúncios de bancos e estatais, como a Petrobras, mantidos sob sigilo sob argumento de que podem colocar em risco estratégias empresariais.
Em janeiro, o Ministério Público Federal de São Paulo instaurou inquérito civil público para apurar eventuais violações de direitos e abusos da Jovem Pan “decorrentes da veiculação de conteúdos desinformativos sobre o funcionamento das instituições brasileiras” e com “potencial de incitação à violência e a atos antidemocráticos”.
Pressionada, a emissora fez tentativas de modular o discurso e se afastar do bolsonarismo. O grupo demitiu parte dos comentaristas mais alinhados ao ex-presidente, como Augusto Nunes, Caio Coppolla, Guilherme Fiúza, Rodrigo Constantino e Zoe Martínez.
Após os ataques de 8 de janeiro, a emissora anunciou ainda o afastamento de Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, conhecido como Tutinha, herdeiro da empresa fundada pelo avô, da presidência da empresa. Tutinha continua no Conselho de Administração.
A troca se deu no mesmo dia em que o Ministério Público Federal de São Paulo instaurou o inquérito civil contra a Jovem Pan.
O MPF afirmou recentemente à Justiça que não conseguiu chegar a um acordo com a Jovem Pan e pediu a retomada da ação que pede a cassação de concessões públicas do grupo de mídia.
A Procuradoria também orientou a União a instaurar processo administrativo que pode tornar a emissora “inidônea” e impedir contratos da Jovem Pan com o governo federal. O documento do MPF, porém, não tem poder de cortar a publicidade da empresa antes do fim das ações judiciais ou administrativas.
No processo movido pelo MPF, a AGU (Advocacia-Geral da União) chegou afirmar que “seria extremamente perigoso ao próprio regime democrático atribuir a qualquer órgão estatal o papel de avaliar a ‘qualidade dos conteúdos’ veiculados pelas emissoras de rádio ou TV”.
Após repercussão negativa sobre a posição da advocacia, o ministro Jorge Messias disse que a União vai passar a atuar no polo ativo da ação. Em nota, a AGU afirmou que concorda com o pedido de condenação da empresa ao pagamento de R$ 13,4 milhões em indenização por dano moral coletivo, mas que não apoia a retirada da outorga de radiodifusão da emissora.
Em julho de 2023, após a Folha mostrar que a Jovem Pan havia desaparecido das campanhas publicitárias do governo, a emissora publicou um texto reclamando da partilha da verba dos anúncios federais.
Pimenta afirma que já conversou com a Jovem Pan sobre as razões para cortar a verba da empresa. Ele nega que tenha reinserido a emissora em planos de mídia após a empresa tentar amenizar o discurso bolsonarista.
O acórdão do TCU citado por Pimenta é de novembro de 2022. O ministro afirmou à reportagem que a decisão era contra a Jovem Pan e mencionava a empresa, mas o texto do tribunal não é direcionado a nenhum veículo específico.
Após a entrevista com Pimenta, a reportagem voltou a questionar a Secom sobre quais trechos da decisão levaram o governo a cortar a verba da emissora.
Em nota, a secretaria citou o ponto que determina que o governo “faça cessar, nos contratos sob sua responsabilidade, o direcionamento de recursos de campanhas publicitárias do Governo Federal para plataformas/canais/mídias que se relacionem a atividades ilegais”.
A decisão do TCU também estabelece que contratos com agências de publicidade devem inserir “cláusulas que incentivem a identificação e o combate a veiculação de campanhas publicitárias em mídias digitais associadas a fake news”.
A Secom informou ainda que publicou em 26 de fevereiro uma instrução normativa com regras para evitar a veiculação de propagandas do governo em sites com fake news.