O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes defendeu que a prerrogativa de “foro privilegiado” deve continuar mesmo após a saída do cargo em casos de crimes funcionais. O ministro apresentou seu voto no julgamento da ação que trata do entendimento sobre o alcance do foro para parlamentares. Mendes é o relator da ação.
Em seu voto, o ministro ressaltou que seu entendimento é diferente da jurisprudência do STF e por isso propõe uma revisitação do tema. Em 2018, o tribunal decidiu que o foro só valeria para crimes cometidos no cargo e em razão dele.
A posição do ministro é que o foro só pode ser afastado em casos de crimes cometidos antes da investidura no cargo ou que não possuam relação com o exercício da função. “Quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”.
Segundo Mendes, seu entendimento não muda a essência da jurisprudência do STF, mas “avança” para manter o foro privilegiado após o fim das funções por qualquer causa, como renúncia, cassação ou não reeleição. “Em termos práticos, a aprovação da proposta estabilizaria o foro nos Tribunais quando estiverem presentes os requisitos da contemporaneidade e da pertinência temática”, disse no voto.
O ministro propôs a fixação da tese de que “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
O relator defendeu que esse entendimento seja aplicado imediatamente aos processos em curso come exceção de “todos os atos praticados pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior”.
Na avaliação de Mendes, a decisão do STF de 2018 “desborda dos limites do texto constitucional” e resulta em uma subversão da finalidade do foro. “Basta que o parlamentar não seja reeleito ou que o agente público se aposente para que atos por ele praticados no exercício do cargo sejam julgados não pelo órgão designado pelo legislador constituinte, mas em outra instância jurisdicional”, escreveu.
A ação começou a ser julgada na madrugada desta sexta-feira (29) no plenário virtual do STF. Nessa modalidade de julgamento, os ministros apenas depositam seus votos e não se reúnem para debater o caso. O julgamento tem previsão de acabar no dia 8 de abril, mas pode ser interrompido antes se houver pedido de vista ou destaque, que leva o julgamento para o plenário físico.
O ministro Gilmar Mendes ainda apontou, em seu voto, que a eficiência do Judiciário deve ser fomentada por alterações estruturais que tragam mais racionalidade para os processos e não pela “restrição de prerrogativas instituídas em benefício das instituições públicas”. Nesse sentido, o ministro citou mudanças recentes, como a expansão do plenário virtual e o prazo de 90 dias para devolução dos processos após pedido de vista.
“As medidas implementadas produziram resultados tangíveis, como demonstram as ações penais sobre os ataques de 8 de janeiro, cuja instrução ocorreu num bom ritmo, sem sobressaltos e com rigorosa observância do direito de defesa”.
Esse debate proposto pelo ministro Gilmar Mendes acontece no julgamento de um caso que envolve o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). A defesa do parlamentar pediu um habeas corpus para que a acusação de suposta prática de “rachadinha” quando ele ocupava o cargo de deputado federal seja julgada pelo STF.
Tratando do caso específico, Mendes relata que o inquérito foi aberto em 2013 sob a supervisão do STF e remetido ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região em 2015, após a renúncia do parlamentar. “Desde então, a denúncia foi oferecida e a ação penal tramitou por quase 4 anos no TRF da 1ª Região; por 3 anos na Seção Judiciária do Pará; e por mais 2 anos na Seção Judiciária do Distrito Federal. No total, da instauração do inquérito policial até hoje, já se passou mais de uma década, mas ainda não se concluiu a instrução processual”, disse. Mendes votou por conceder o habeas corpus.