Em uma lista de 160 países, o Brasil não aparece nem entre os que mais trabalham nem entre os que menos trabalham. Com jornadas semanais médias menores que o Brasil há países como Holanda (31,6), Canadá (32,1 horas), Austrália (32,3), Nova Zelândia (33), Noruega (33,7), Dinamarca (33,9), Alemanha (34,2) e França (35), para citar apenas alguns.
Professor, pesquisador e palestrante especialista em estudos sobre o significado do trabalho, Alexandre Pellaes comenta que, em geral, a legislação dos países permite a negociação para elevar as horas trabalhadas, com pagamento de horas extras, a partir de acordos entre empresas e representantes dos trabalhadores – mas diz que, em média, a prática tem se situado nas taxas acima.
“É importante ressaltar que esses países experimentam uma realidade bastante diferente da que vivemos no Brasil, seja do ponto de vista econômico ou da composição da força produtiva. Portanto, a comparação deve ser sempre muito cuidadosa”, afirma.
Escalas de trabalho hoje no Brasil
No Brasil, a legislação atual exige que o trabalho seja de, no máximo, 8 horas diárias (com limite de 2 horas extras) e que em uma semana não ultrapasse 44 horas trabalhadas. Além disso, é obrigatória a concessão de 1 dia de descanso remunerado.
“Respeitando esses limites, as jornadas podem ser diferenciadas, como exemplo, a 5 x 2, na qual o empregado trabalha 5 dias e descansa 2 e é normalmente utilizada por empregados que não trabalham aos finais de semana; e a 6 x 1, na qual o empregado descansa um dia após 6 de trabalho, normalmente utilizada quando exigido revezamento para trabalho nos 7 dias da semana”, explica Silvia Monteiro, sócia e especialista em direito do trabalho do Urbano Vitalino Advogados.
Ela pontua que, desde que respeitados os limites constitucionais, são possíveis outras escalas, com descanso após 2 ou 3 dias de trabalho, por exemplo, a depender das necessidades empresariais.
Plantões médicos e jornadas de 12 horas seguidas
Luiz Jorge, sócio e especialista em direito do trabalho do Urbano Vitalino Advogados, explica que a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, apesar de utilizada muitas vezes por médicos e profissionais de saúde, não é uma jornada estabelecida em lei para esta categoria – e por isso há médicos que podem ter jornadas distintas, a exemplo da 5 x 2; 6 x1.
“Todavia, essa jornada ficou conhecida como ‘jornada de médicos’, pois era permitida a determinadas categorias com base em acordos e convenções coletivas. Outra categoria que sempre utilizou muito esta jornada foi a de segurança privada”, afirma.
O especialista menciona que quando houve a reforma trabalhista, instituída pela Lei 13467/17, esta incluiu o art. 59-A da CLT, passando a permitir a escala de 12 horas de trabalho por 36 de descanso para todas as categorias, mediante acordo individual, não sendo mais necessária a aprovação através de acordos ou convenções coletivas firmados com os sindicatos.
Jornadas de trabalho diferenciadas
Existem, ainda, jornadas de trabalho diferenciadas para quem fica embarcado em plataformas de petróleo (14 dias embarcados, e 14 de descanso em terra, por exemplo) e para pilotos de avião.
Monteiro diz que essas jornadas são definidas por categorias, de acordo com a especificidade da atividade. “Na exploração e produção de petróleo, a Lei 5811/72 permite regime de revezamento de 8 horas, com limitação de dias; os aeronautas possuem uma série de regras específicas de jornada conforme o tipo de serviço aéreo e escala (Lei 13457/17).”
Segundo a advogada, a Constituição Federal e a CLT limitam as jornadas diárias e o total de horas semanais. Porém, em algumas categorias específicas, há leis que adequam os limites em troca de contrapartidas, seja com remuneração superior, tempo de descanso posterior mais amplo, compensando o labor excedente.
Maria Lucia Benhame, advogada trabalhista e especialista em direito sindical, menciona ainda outra possibilidade. “Se houver uma escala com uma compensação semanal, a chamada semana espanhola, em que se trabalha mais de 44 horas numa semana e menos de 44 horas na outra gerando uma média de 44h semanais, deve haver um acordo coletivo de compensação, não pode ser individual.”
Limites de horas de trabalho em outros países
Jorge afirma que as jornadas de trabalho variam em cada país, e cita alguns exemplos: na Inglaterra e na Alemanha, é de 8 horas com limite semanal de 48 horas; na Índia, de 9 horas diárias e 48 semanais; no Japão, Itália, Estados Unidos, Canadá, é de 8 horas diárias e 40 semanais; na França, é de 7 horas diárias e 35 semanais.
Sobre a escala 6×1, na qual se trabalha 6 dias na semana para ter 1 de descanso, Pellaes diz não conhecer um país que a tenha proibido. O que ele ressalta é que a legislação e as normas de trabalho dos países mais ativos em buscar equilíbrio para as pessoas naturalmente desestimulam o exercício dessa prática do 6 por 1, uma vez que estipulam limite máximo de horas trabalhadas por semana, além de exigências mínimas de descanso que combinam, por exemplo, 11 horas de intervalo mínimo entre os dias de trabalho, e 24 horas ininterruptas de descanso semanal na França, 36 horas na Espanha, ou 48 horas ininterruptas, a cada duas semanas, na Alemanha.
“O modelo de trabalho 5×2, sem dúvidas, é o mais adotado globalmente”, afirma. “Porém, há variações tanto no volume da carga horária como também existem formatos alternativos de escala.”
Redução da jornada de trabalho é tendência?
Pellaes comenta que do ponto de vista da autorrealização humana, bem-estar e performance, “é imprescindível repensar diversos parâmetros do mundo do trabalho”. “Isso inclui a forma de atuação, o modelo de vínculo empregatício, a localidade, os critérios de performance, sistemas de remuneração dinâmicos e, certamente, o tempo dedicado ao trabalho”, afirma.
Para ele, hoje, a ideia de que o único trabalho de valor é o profissional é uma furada. “Temos vários outros tipos de trabalho de vida a realizar. Cuidar da família, do corpo, da casa, da comunidade, da diversão, do aprendizado, do descanso etc. Todas são atividades intencionais e significativas que demandam energia e disposição. Por isso, temos que rever não apenas a estrutura das jornadas, mas também o volume total de horas trabalhadas.”
O pesquisador lembra que a última vez que houve uma mudança significativa no regime horário de trabalho foi na década de 1920, quando Henry Ford instituiu o regime 5×2 com 8 horas diárias, substituindo o tradicional 6×1 em que se trabalhava cerca de 60 horas semanais. “Essa iniciativa revolucionou as relações laborais da época, reconhecendo a importância do descanso e do bem-estar para a produtividade”, explica. “Agora, quase 100 anos depois, enfrentamos um novo cenário que exige um olhar ampliado sobre a questão do trabalho.”
Semana de 4 dias de trabalho
Nesse sentido, projetos pilotos, com grupos reduzidos de empresas e funcionários, vêm testando uma possibilidade de semana de 4 dias de trabalho com 3 dias de descanso, somando uma jornada de 32 horas semanais. O Brasil, inclusive, já realizou esse piloto.
“Essa mudança pressupõe a implementação de novas práticas organizacionais e comportamentos individuais que tornem o trabalho mais eficiente, focado e orientado a resultados”, explica Pellaes. “Empresas e pessoas ajustam suas maneiras de agir, buscando não apenas cumprir horas, mas alcançar objetivos compartilhados de maneira mais eficaz. Não se trata apenas de reduzir o total de horas trabalhadas, mas de promover eficiência, respeito e confiança mútuos.”
Para o especialista, ainda há muito a percorrer nesse sentido, mas ele se diz otimista com os resultados apresentados até o momento. “Para que possamos fazer as pazes com o trabalho”, conclui.
A importância do descanso
Joana Coelho, neurocientista e consultora da Nêmesis, uma empresa que oferece assessoria e educação corporativa na área de neurociência organizacional, diz que diversos estudos neurocientíficos indicam os benefícios dos períodos de descanso. “O trabalho representa um esforço para o indivíduo, visto que as atividades demandam esforço cognitivo e emocional, gerando gasto de energia para o cérebro. Por isso, recomenda-se que os trabalhadores se desconectem do trabalho e dediquem períodos à sua recuperação, realizando atividades de lazer e relaxamento que promovam esse afastamento”, detalha.
Ela menciona estudos que avaliaram o impacto da falta de tempo para recuperação do esforço do trabalho no bem-estar dos indivíduos. “Pessoas que possuem pouco limite entre vida pessoal e profissional apresentaram quadros de maior exaustão e menor equilíbrio de vida. Além disso, aqueles que têm menos momentos de descanso, ou seja, realizam menos atividades que permitem a recuperação, também demonstraram maior exaustão e menor equilíbrio de vida.”
Coelho explica que quando descansamos, ou seja, não estamos realizando tarefas específicas, o nosso cérebro ativa uma importante rede chamada Default Mode Network (DMN). Essa rede, detalha a especialista, impacta diversos processos emocionais e cognitivos, como regulação emocional, aprendizado, criatividade, pensamento autorreferenciado e habilidades sociais.
“O tempo de descanso é essencial para a recuperação do cérebro, ajudando a manter suas funções e, portanto, contribuindo para uma melhor performance”, diz. “A compreensão da relevância do descanso para o cérebro não só indica a necessidade de maiores períodos de descanso, como também reforça a recomendação de incluir pausas dentro da jornada de trabalho. Experimentos em que colaboradores passaram a ter pausas regulares na rotina de trabalho mostraram impactos positivos na produtividade e no bem-estar dos colaboradores.”