Natural ou não? Essa foi a pergunta feita a um atleta de fisiculturismo de 22 anos, que aparentava ter muito mais. No vídeo, que viralizou no X (antigo Twitter) e no TikTok, dois frequentadores de uma academia nos Estados Unidos perguntam às pessoas do estabelecimento se faziam ou não o uso de esteroides anabolizantes.
“O que você acha, irmão? Eu tenho 22 anos. Você acha que isso é natural? Com a barba e ficando careca”, responde o jovem, ironizando que sua aparência não condiz com sua idade e relacionando o envelhecimento ao uso de anabolizantes. Veja o vídeo abaixo:
O uso de anabolizantes está diretamente ligado ao envelhecimento, podendo prejudicar a pele, causar a calvície e o crescimento exacerbado de pelos em outros locais, segundo explicou Fernando Valente, professor de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), ao Valor.
“Os anabolizantes podem causar prejuízos em diversos órgãos e sistemas. O impacto na pele é o aspecto que envelhece mais, juntamente com o crescimento de pelos e a calvície causada pelo excesso de testosterona no corpo”, disse.
Nos EUA, onde o vídeo foi gravado, a prática de usar esteroides é proibida. Por lá, as substâncias são consideradas de Classe III na Lei de Substâncias Controladas. De acordo com a classificação, drogas, substâncias ou produtos químicos da Tabela III apresentam potencial moderado a baixo de dependência física e psicológica.
No Brasil, essa prática também é proibida. Desde abril de 2023, a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA), com fins estéticos e para ganho de massa muscular, foi proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O professor ainda explica que o uso de anabolizantes pode gerar uma série de impactos na saúde de uma pessoa para mais do que apenas a aparência. Segundo ele, o sistema cardiovascular, o psicológico, os rins e até mesmo a vida sexual da pessoa também podem ser afetados.
Afinal, o que são anabolizantes?
De acordo com o governo brasileiro, anabolizantes são hormônios esteroides naturais e sintéticos que promovem o crescimento celular e a sua divisão, resultando no desenvolvimento de diversos tipos de tecidos, especialmente o muscular e ósseo.
Essas substâncias são, geralmente, derivadas da testosterona e podem ser administradas principalmente por via oral ou injetável.
Iza Roza Machado, médica endocrinologista do Delboni, marca da rede Dasa, explica que a testosterona aumenta a quantidade de fibras musculares e a produção de proteínas, impulsionando a capacidade de criar massa muscular magra.
Além disso, a testosterona auxilia na produção de força, no aumento da liberação do fator de crescimento e influencia a síntese de neurotransmissores para a contração muscular.
Crescimento na comercialização de anabolizantes
De acordo com dados mais recentes da Anvisa enviados ao Valor, o número de comercialização de medicamentos anabolizantes com testosterona sintética mais do que triplicou de 2018 para 2022.
Em 2018, o número de produtos foi de 1.096.850, enquanto em 2022 esse valor foi de 3.567.553 — um crescimento de 325,25%. O pico de vendas foi registrado em 2020, com 4.014.194 medicamentos negociados.
O levantamento considera o número total de embalagens comercializadas de testosterona sintética.
Machado explica que o uso de anabolizantes vem aumentando nos últimos trinta anos por razões inadequadas.
“Nesse período houve aumento das prescrições médicas inadequadas contendo esteroides anabolizantes . Isso era justificado pelo tratamento de uma situação denominada ‘andropausa’, que foi arbitrariamente denominada como ‘menopausa masculina ou ‘hipogonadismo tardio ou do envelhecimento’, uma definição não reconhecida pelas principais sociedades de endocrinologia ou agências regulatórias”, explicou.
A especialista ainda pontua que houve um aumento no uso de anabolizantes para fins estéticos e de melhora de performance esportiva, bem como para disfunção erétil e com intuito de retardar o envelhecimento.
Impactos do uso de anabolizantes
Iza explica que o uso de anabolizantes pode impactar o psicológico do usuário, gerando um aumento da impulsividade, agressividade, dependência, alterações do humor e distúrbios do sono.
“Além disso, o uso inadequado de hormônios masculinos ou seus derivados também pode acarretar em trombose, toxicidade cardíaca direta, aterosclerose acelerada, aumento da produção de hemácias e aumento do colesterol ‘ruim’ e diminuição do colesterol ‘bom’”, disse.
Valente, por sua vez, pondera que os anabolizantes envelhecem mais do que a aparência dos usuários, mas seu sistema cardiovascular também. “O uso de anabolizantes também está ligado ao envelhecimento vascular, causando infartos e derrames precoces em seus usuários, além de ser uma sobrecarga para o pâncreas e o fígado”, pondera.
Ambos os endocrinologistas ainda pontuaram mais uma série de complicações de saúde que o uso de anabolizantes pode causar, como dores articulares, queda de cabelo, aumento do volume mamário em homens (ginecomastia), infertilidade, atrofia testicular e acne.
No dia 3 de abril deste ano, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) divulgou a Carta de Brasília, indicando os perigos do uso de anabolizantes de forma indevida.
Por que existem anabolizantes?
Há diversos anabolizantes que são medicamentos legítimos e que podem ser prescritos para auxiliar no combate de enfermidades. Valente explica, por exemplo, que o uso de reposição de testosterona é recomendado em diversas situações, como no caso de pessoas com câncer testicular ou caxumba na região.
Nessas hipóteses, as doenças podem causar um impacto na produção de testosterona, e por isso há a recomendação de uma suplementação externa.
Existem, também, questões genéticas nas quais a hipófise não se desenvolve corretamente e não há a produção de testosterona. Nessa ocasião, também é recomendado o uso de testosterona sintética.
Machado ainda complementa que esses suplementos, caso sejam recomendados por médicos para suprir deficiências hormonais, podem aumentar a libido, a disposição, a massa magra e auxiliar no combate à anemia, além do seu papel na melhora de massa óssea dos pacientes com deficiência de testosterona.
O uso de anabolizantes causa vício?
Apesar da classificação dada pela lei americana para o nível de adição dos anabolizantes, os especialistas consultados pelo Valor acreditam que os esteroides são, de fato, viciantes.
Valente destaca que há uma dependência psicológica muito grande, considerando que o uso é muito atrativo. “O uso de anabolizantes é perigoso inclusive pelo teor aditivo. Depois do uso, a pessoa se sente fraca e depressiva e quer voltar a usar. Não há dose segura para anabolizantes sem prescrição”.
Iza vai na mesma linha, porque há, inicialmente, um desenvolvimento de tolerância, fazendo com que a pessoa precise de doses cada vez maiores para ter o mesmo efeito, e quando há a suspensão, é comum a presença da síndrome de retirada, culminando em sintomas de abstinência.
O uso de anabolizantes é ilegal?
Matheus Falivene, advogado criminalista no Falivene Advogados, explica que o uso de anabolizantes é ilegal, mas não necessariamente pode levar à cadeia.
“O uso de anabolizantes em geral não é considerado crime no Brasil. O consumo só será considerado ilícito caso o esteroide for uma droga prevista na Portaria n. 344/98 da Anvisa. Nessa hipótese, o usuário poderá incorrer no crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas, que pune o uso de substância entorpecentes”.
Dessa forma, Falivene explica que, em tese, o uso de anabolizantes poderia levar a prisão caso o usuário fosse pego em flagrante e a substância for proibida. No entanto, considerando que esse é um crime sem pena privativa de liberdade, a pessoa seria liberada e, se condenada, receberia uma advertência pelos riscos do uso, ponderou o especialista.
*Estagiário sob a supervisão de Diogo Max