O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) agiu com firmeza e prudência ao abrir revisão disciplinar e afastar do cargo, nesta terça-feira (5), o juiz José Daniel Dinis Gonçalves, de Araçatuba (SP).
Ele foi acusado de causar lesão corporal de natureza grave em sua mulher numa discussão na residência, sem testemunhas. Alegou ter agido em legítima defesa.
O julgamento ocorreu na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, coincidência lembrada em votos contundentes de vários conselheiros.
O presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, e o corregedor nacional, Luis Felipe Salomão, abriram amplo espaço para o contraditório e as versões do magistrado.
Influiu na decisão unânime a omissão do magistrado, que não prestou socorro à mulher, conforme Inquérito Policial e processo disciplinar.
O colegiado considerou branda a pena aplicada pelo TJ-SP (censura), diante da gravidade dos fatos, e a desproporcionalidade entre as lesões no casal confirmadas por laudos periciais.
“Enquanto o magistrado teve apenas arranhões e escoriações de natureza leve, sua ex-esposa sofreu lesão na coluna, edema no crânio, equimose na região peitoral esquerda e no braço direito, traumatismo intracraniano. Ela permaneceu hospitalizada por duas semanas, com incapacidade para as atividades habituais no período de 30 dias”, narrou o corregedor nacional.
“Confesso que fiquei em muita dúvida sobre o afastamento cautelar”, Salomão disse, no início da sessão.
O juiz se encontra em exercício na Vara da Fazenda Pública em Araçatuba. Salomão alertou: “Embora os fatos não sejam contemporâneos, aconteceram em dezembro de 2021, ele pode fazer plantões durante dos finais de semana”. Ou seja, pode vir a decidir sobre casos semelhantes.
A advogada Danyelle da Silva Galvão fez a defesa do juiz (em vídeo). Disse que a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela aplicação da pena de censura. “A defesa não nega que as lesões que acometeram a sua esposa são mais graves, mas no âmbito do julgamento, na instrução, ficou patente que a pena de censura seria suficiente e adequada”, disse.
“Não há nenhum ato que desabone a conduta do juiz, esse fato aconteceu no ambiente familiar. Não havia nitidez da intenção dele de machucá-la”, disse. “Não havia denúncia por omissão de socorro”, afirmou.
Primeiro a votar, o conselheiro João Paulo Schoucair disse que “a mulher foi mutilada, triturada, do dedo mindinho até a cavidade cerebral”.
“Voto pelo afastamento do magistrado do cargo para que possamos ter tranquilidade no transcorrer dessa instrução” [coleta de provas], disse Schoucair.
Barroso pediu para Salomão reler a cena da agressão. “É para saber se ele [o juiz] não estava se defendendo [de agressões].
Ouvida no TJ-SP, a ex-mulher do juiz disse que havia batido a cabeça, e o juiz virou as costas. “Estava com muita dor; eu não sentia as minhas pernas. Ele virou as costas.”
“Ele fez três malas, deixou as três malas do meu lado; foi para o carro. Chegou o Samu e ele não deu a menor atenção.”
O presidente do CNJ leu trechos do depoimento do juiz no inquérito policial.
“Houve discussão na noite anterior. Ela desferiu socos. Tenho certeza de que ela acabaria lesionando meu braço esquerdo, onde tenho uma fístula arteriovenosa pela qual me submeto três vezes por semana a hemodiálise. Em nenhum momento pretendi lesioná-la”, disse o juiz.
“É uma versão de legítima defesa”, disse Barroso.
Marcos Vinícius Jardim pediu a palavra: “É a regra. Em casos de violência doméstica são raríssimas as situações em que o agressor confessa. Ou ele nega ou contemporiza”.
“Temos regramento que valora o depoimento da vítima”, disse Jardim.
“O que mais me assombrou foi a omissão de socorro”, afirmou Marcello Terto. “Ninguém em estado de choque arruma mala. Ele arrumou três.”
Daiane Nogueira entendeu que o caso era de “afastamento tardio”.
Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho disse: “Homem que bate em mulher não merece ser magistrado”.
Alexandre Teixeira votara contra suspender o juiz. Reviu sua posição. “Tinha dúvidas, não tenho mais”.
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