Capacidade funcional garante independência e autonomia ao envelhecer; faça testes e avalie a sua

Redação
por Redação

No dia 14 de fevereiro, Marineth Huback completou 87 anos. Quem tentou parabenizá-la por telefone não conseguiu – seu celular estava “fora da área de cobertura”. Há dez anos, ela comemora a data escalando picos. O mais recente foi o das Ilhas Tijucas, entre a Barra e São Conrado, no Rio de Janeiro. A “comemoração” incluiu uma escalada de 50 metros, uma descida de rapel, um nado em fosso profundo, um bolo de aniversário e – ufa! – o tradicional “Parabéns pra você”, cantado por membros do Centro Excursionista Brasileiro (CEB), seu clube de montanhismo.

“Como toda escalada, a Pontuda, nas Ilhas Tijucas, requer atenção. Qualquer vacilo, você despenca e cai no mar. Mas o visual compensa qualquer sacrifício. É mágico!”, descreve uma das mais experientes montanhistas do Brasil.

Nascida em Nova Friburgo, na região serrana do Estado, Marineth começou a praticar montanhismo aos 59 anos. Hoje, aos 87, já escalou 125 picos – o mais alto, o da Bandeira, entre Minas e Espírito Santo, tem 2.891 metros de altitude. Já o da Pedra da Gávea, no Rio, gostou tanto que escalou 17 vezes.

“No montanhismo, nunca sofri etarismo. Mas, no trânsito, já ouvi cada coisa! Muita gente me pergunta: ‘Você ainda dirige?’ Nessas horas, respondo: ‘Ué, se tenho carteira de habilitação, por que eu não vou dirigir?’ Querem impor limites onde não há”.

Marineth Huback é o que os geriatras e gerontólogos chamam de independente e autônoma. O idoso é independente quando, fisicamente, é capaz de executar tarefas básicas da vida diária, como tomar banho, se vestir e comer. E autônomo quando, cognitivamente, consegue realizar atividades instrumentais, mais complexas que as básicas, como usar o telefone, fazer compras ou cuidar das finanças.

No primeiro caso, também chamado de “autocuidado”, o idoso precisa desempenhar as funções sozinho, sem ajuda de familiares, acompanhantes ou cuidadores. No segundo, o “autogoverno”, ele pode recorrer, quando necessário, a dispositivos, como óculos, próteses auditivas e bengalas, ou a estratégias, como agendas ou post-its.

“Se o idoso tem artrose no joelho, que o impede de sair de casa para comprar remédio na farmácia, ele tem sua independência comprometida. Mas, se ele consegue executar essa tarefa com o auxílio de uma bengala, mantém sua independência”, explica o geriatra Fábio Nasri, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo (SP).

Ao conjunto de habilidades físicas e mentais indispensáveis para cuidar de si próprio e para viver em sociedade de forma independente e autônoma, os especialistas em longevidade dão o nome de capacidade funcional do idoso.

Termômetros da funcionalidade

Há, pelo menos, duas escalas para avaliar a capacidade funcional de um idoso: a de Katz e a da Lawton (faça esta ao final da reportagem).

A primeira, criada pelo geriatra americano Sidney Katz (1924-2012) na década de 1950, avalia as atividades básicas da vida diária (ABVD). Já a segunda, desenvolvida pelos gerontólogos Mortimer Powell Lawton (1923-2001) e Elaine Marjorie Brody (1922-2014) em 1969, investiga as instrumentais (AIVD).

Além dos exemplos citados no parágrafo anterior, o questionário de Katz inclui higiene pessoal, transferência (consegue deitar na cama, sentar na cadeira e ficar de pé) e continência (controla urina e fezes). Já a escala de Lawton analisa tarefas como preparar a própria refeição, usar transporte público ou tomar remédio na dose certa e no horário correto.

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Se o idoso é capaz de realizar essas tarefas sem ajuda de terceiros, é independente. Mas, se precisa de uma mão ou se não consegue executá-las sozinho, semidependente e totalmente dependente.

“As atividades da vida diária são um termômetro da nossa saúde e funcionalidade. A perda de atividade é sinal de que algo não vai bem”, alerta o geriatra Omar Jaluul, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “À medida que envelhecemos, perdemos reserva funcional, isto é, capacidade de lidar com traumas e infecções. Por isso, é importante aumentar essa reserva com hábitos saudáveis como alimentação equilibrada e atividade física. Na velhice, colhemos o que plantamos”.

A capacidade funcional do idoso também pode ser avaliada por meio de certos testes. Dois deles, de tão simples, podem ser feitos em casa – basta um tapete antiderrapante. São o teste de sentar e levantar do chão sem ajuda das mãos (ou de qualquer outro tipo de apoio) e o de se equilibrar sobre uma perna só por 10 segundos.

O criador deles é o cardiologista Cláudio Gil Araújo, diretor da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), no Rio. “São indicados para pessoas que não têm limitação locomotora ou neurológica. Se o sujeito tem prótese no quadril ou fez cirurgia abdominal, por exemplo, não deve tentar”, adverte o médico.

Pessoas de 40 e 50 anos devem ser capazes, explica o médico, de sentar e levantar do chão sem usar a mão ou perder o equilíbrio. E pessoas com menos de 70, de ficar em pé por 10 segundos numa perna só. Mas, e se eu não conseguir? Quer dizer que vou morrer amanhã? “Nada disso! O resultado deve servir apenas de alerta. Estou com excesso de peso? Não faço exercício físico? O que preciso mudar em minha vida para melhorar o resultado do meu teste?”, orienta o médico que, para treinar o equilíbrio, costuma escovar os dentes numa perna só.

Os testes que avaliam o grau de funcionalidade do idoso não terminam por aí. Há mais dois: o da velocidade da marcha e o da preensão palmar.

O da marcha é tão simples quanto o de sentar e levantar ou o de permanecer em pé sobre uma perna só. Consiste em caminhar quatro metros em linha reta. A geriatra Kelem de Negreiros Cabral, do Hospital Sírio-Libanês, explica como funciona: “O idoso percorre essa distância numa velocidade segura enquanto o examinador avalia o modo de execução e o tempo de realização. Idosos mais velozes (que percorrem 1 metro ou mais por segundo) apresentam melhores condições de saúde. E os mais lentificados (que fazem menos de 60 centímetros por segundo), declínio funcional e cognitivo e maior risco de queda e morte”.

O outro teste, o da preensão palmar, também precisa ser feito em um consultório porque demanda o uso de um aparelho chamado dinamômetro, que avalia a força dos músculos da mão e do antebraço.

Independência hoje para garantir o amanhã

Mas, por que é tão importante avaliar a capacidade funcional? Porque é um preditor de morbidade e mortalidade. O que isso quer dizer? Ajuda a predizer, isto é, a dizer antecipadamente, quais as chances daquele idoso adoecer ou morrer em um futuro próximo.

Quem explica melhor é a geriatra Luiza Blanco, do Hospital Santa Paula: “A perda de capacidade funcional está, muitas vezes, associada ao início de uma doença ou à evolução de outra, pré-existente. Quanto mais dependente for o idoso, maior o risco de ele sofrer quedas ou de contrair infecções”, acrescenta.

Em caso de perda funcional, o médico deve ajustar o tratamento para evitar a progressão da doença ou recuperar a independência perdida.

Há programas de reabilitação, como fisioterapia e fonoterapia, e acompanhamentos médico e nutricional, para controle de doenças e consumo adequado de proteínas e calorias. Para manter a independência física, o geriatra Luiz Antônio Gil Júnior, do Hospital Nove de Julho, recomenda atividade física e alimentação saudável e, para proteger a autonomia cognitiva, convívio social e propósito de vida.

Outro dado importante: quanto antes detectar o declínio funcional, melhor. Isso aumenta as chances de sucesso de uma eventual recuperação.

A geriatra Gabriela Fagundes, do Einstein, dá um exemplo: imagine um idoso que fratura o quadril após uma queda no banheiro e passa por cirurgia e, na sequência, reabilitação. Mesmo que os procedimentos sejam um sucesso, há um grande risco de ele não se recuperar totalmente. “Se o motivo que o levou à queda tivesse sido identificado e tratado lá atrás, muito provavelmente nós teríamos conseguido evitá-lo. Quanto mais cedo identificamos o problema, maiores as chances de prevenirmos o declínio funcional”, observa.

Por essas e outras, não devemos esperar soprar 65 velinhas para começar a pensar em envelhecimento saudável. Devemos começar o quanto antes. “É fundamental ter uma vida ativa e saudável desde cedo. Ter um sono de qualidade, aprender coisas novas e desenvolver a resiliência são dicas infalíveis para envelhecer bem”, recomenda.

Sempre é tempo de sair do sedentarismo

Marineth Huback não começou a praticar atividade física ontem. Desde os 10 anos, ela faz exercício ouvindo o programa Hora da Ginástica, apresentado pelo professor de educação física Oswaldo Diniz Magalhães (1904-1998). “Naquele tempo, não havia academia”, recorda. “O único problema é que, se você fizesse errado, não tinha ninguém para corrigir”. Hoje, além de rapel e montanhismo, ela pratica tai chi chuan, pilates e musculação.

A atividade física ideal, pondera Kelem Cabral, do Sírio-Libanês, obedece a dois critérios: indicação técnica e preferência pessoal. Não se deve prescrever corrida para quem sofre de problemas nas articulações. O melhor exercício, neste caso, é a hidroginástica. Tampouco é indicado recomendar ciclismo para quem gosta de caminhada ou natação para quem curte tênis. “Nunca é tarde para começar a fazer exercício. O melhor dia é hoje!”, avisa.

No domingo, 3 de março, Marineth tirou a manhã de sol para fazer trilha na Pedra Bonita, no Rio. Quase não conseguiu. A todo instante, era abordada por adeptos do esporte ou seguidores do Instagram à caça de selfies. “Quando crescer, quero ser igual à você”, derreteu-se uma. “Já fizemos rapel juntos!”, festejou outro.

“Volta e meia, me dizem: ‘Marineth, escalar montanha é perigoso!’. Me limito a responder: ‘Cair no banheiro também!’”, ironiza a intrépida montanhista que está à procura de um patrocinador para realizar o sonho de conhecer o Grand Canyon, nos Estados Unidos: “Ainda vou fazer trilha e voar de balão no deserto do Arizona!”. Alguém duvida?

Escala de Lawton

Depois de realizar o questionário sobre atividades instrumentais da vida diária, confira a pontuação e o gabarito.

1. Você consegue usar o telefone?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

2. Consegue ir a locais distantes, usando transporte público ou próprio?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

3. Fazer compras?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

4. Preparar sua refeição?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

5. Arrumar a casa?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

6. Fazer trabalhos manuais domésticos, como pequenos reparos?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

7. Lavar e passar roupa?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

8. Tomar remédio na dose certa e no horário correto?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

9. Cuidar de suas finanças?

( ) Sem ajuda

( ) Com ajuda parcial

( ) Não consegue

Pontuação:

  • Sem ajuda: 3 pontos
  • Com ajuda parcial: 2 pontos
  • Não consegue: 1 ponto

Gabarito:

  • 27 pontos: Independente
  • De 18 a 26: Semidependente (ou parcialmente dependente)
  • Menos de 17 pontos: Totalmente dependente

Fonte: Escala de Lawton

Fonte: Externa

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