O governo federal anunciou nesta segunda-feira, 9, a criação de um grupo de trabalho para tentar reduzir os danos à saúde mental da população causados por jogos e apostas online. A equipe, formada por representantes dos ministérios da Saúde, Esporte, Fazenda e da Secretaria de Comunicação Social, terá 60 dias para sugerir ações de apoio a pessoas e comunidades afetadas pelas bets.
O grupo vai se reunir a cada 15 dias para propor ações de prevenção, redução de danos e assistência a pessoas com comportamento de jogo problemático. A equipe poderá ainda reexaminar ações administrativas e políticas públicas e formular sugestões de atuação regulatória.
Também são atribuições do grupo a criação de campanhas educativas para alertar sobre os riscos das apostas, programas de apoio à saúde mental e definição de parâmetros para orientação de operadores de apostas, entre outras iniciativas.
“Diante da gravidade da situação, o governo federal decidiu implementar normas mais rigorosas para regulamentar o setor, priorizando a saúde mental dos apostadores”, afirma o Ministério da Saúde. Conforme reportado pelo Estadão, os danos dos jogos de azar configuram um grave problema de saúde pública em vários países, incluindo o Brasil.
Entre as medidas já adotadas no País, estão portarias do Ministério da Fazenda que limitam os meios de pagamento. Agora, é proibido o uso de cartões de crédito e os apostadores precisam se identificar por CPF, reconhecimento facial e verificação de idade. O objetivo é monitorar o comportamento dos jogadores e combater práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro.
O problema com as bets
O relatório da comissão de especialistas reunidos pela revista científica The Lancet Public Health estima que aproximadamente 448,7 milhões de adultos em todo o mundo enfrentam pelo menos um sintoma comportamental ou consequência pessoal, social ou de saúde adversa do jogo de azar.
Desses, 80 milhões possuem o chamado transtorno do jogo, descrito em manuais de psiquiatria como um padrão de apostas repetidas e que continuam apesar de criar múltiplos problemas em várias áreas da vida.
Ainda segundo a análise, 15,8% dos adultos e 26,4% dos adolescentes que estiveram envolvidos em atividades de cassino online, como o Jogo do Tigrinho, em 2023, experienciaram transtorno do jogo. Para as bets ou apostas esportivas, essas taxas foram de 8,9% e 16,3%, respectivamente.
De acordo com os pesquisadores, os danos associados ao transtorno incluem problemas de saúde física e mental, ruptura de relacionamentos, aumento do risco de suicídio e violência doméstica, aumento da criminalidade, perda de emprego e prejuízos financeiros.
Medidas de prevenção
Em entrevista anterior ao Estadão, o psiquiatra Hermano Tavares, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO-AMJO), avaliou as regras em vigor sobre o tema. Na ocasião, ele denunciou como as medidas eram insuficientes e não deveriam ser desenhadas exclusivamente para aqueles com transtorno do jogo.
“Não podemos ficar só pensando no jogador compulsivo, que precisa obviamente de amparo, mas tem que pensar na pessoa que tem alguma vulnerabilidade para que possa ser protegida e não venha desenvolver problemas futuros com apostas.”, disse.
Segundo o psiquiatra, fazem parte desse grupo vulnerável:
- pessoas em vulnerabilidade socioeconômica;
- pessoas em vulnerabilidade biológica: grupo que enquadra os menores de idade, cujo cérebro é considerado imaturo, e pessoas que já têm casos de jogo patológico ou de outras dependências na família;
- pessoas em vulnerabilidade psicológica: indivíduos passando por momentos difíceis da vida.
Antes da criação do grupo de ação do governo federal, o médico já indicava algumas medidas para lidar com os riscos das bets: a ampla disponibilização de programas de psicoeducação e autoavaliação para os apostadores, oferta de suporte remoto (profissionais disponíveis para atender os apostadores 24 horas por dia), suporte presencial no Sistema Único de Saúde (SUS) e capacitação de profissionais para lidar com pacientes com vício em jogos.
Outras ações, mais universais, segundo Tavares, incluem a restrição de horário de apostas, definição de um teto máximo para apostas, proibição de propagandas e anúncios de bets para menores de idade ou de divulgações feitas por influenciadores e pessoas com grande popularidade junto ao público juvenil.