Está aberta a temporada de celebrações. Com as festas de fim de ano, recesso e férias de verão, é comum que algumas pessoas aumentem o consumo de bebidas alcóolicas. Ao mesmo tempo, muita gente procura manter a rotina de exercícios físicos – ou começa a treinar, como parte das resoluções de início de ano. Há ainda uma parcela que aposta nos exercícios justamente como uma estratégia para lidar com os sintomas da ressaca ou acelerar sua recuperação. Agora, considerando que o álcool é tóxico ao nosso organismo e afeta profundamente o metabolismo, cabe perguntar como a ingestão de cerveja, vinho e companhia interfere nas respostas ao exercício físico e vice-versa – isto é, como o exercício físico modifica os efeitos do álcool no corpo. Vejamos o que a ciência tem a nos mostrar.
Quando bebemos álcool, observamos uma série de efeitos agudos, quase imediatos, que impactam diversos órgãos e são dependentes da dose – quanto maior a quantidade de álcool, mais severos eles são.
No sistema cardiovascular, o álcool leva a uma elevação da frequência dos batimentos cardíacos, além do aumento da pressão arterial. Há também uma constrição dos vasos que levam sangue a diversos órgãos, reduzindo a oferta de sangue. Já na pele, o efeito é geralmente oposto: os vasos se dilatam e o fluxo de sangue aumenta. Isso explica a vermelhidão que frequentemente observamos quando bebemos algumas doses, prejudicando o controle da temperatura corporal. Essa distribuição do sangue para a pele aumenta a perda de calor, e pode explicar por que ficamos mais suscetíveis ao frio.
Outro efeito comum da ingestão de álcool é a queda na glicemia, o açúcar que circula no sangue. Isso ocorre porque o metabolismo do álcool leva a um consumo rápido das nossas reservas de glicose. Essa redução da glicose pode diminuir a atividade muscular – aí, o desempenho físico pode sair prejudicado.
De fato, estudos mostram que, mesmo em doses baixas (o equivalente a cerca de duas latinhas de cerveja), o consumo de álcool já pode reduzir a capacidade de realizar exercícios, sejam eles de alta intensidade ou de longa duração.
Já o uso crônico de bebidas alcoólicas interfere em adaptações positivas do treinamento físico, incluindo ganho de força e melhora no desempenho aeróbio e no funcionamento das mitocôndrias musculares (nossas usinas de energia).
Além disso, o consumo de álcool pode resultar em supressão do anabolismo muscular. Alguns estudos demostram, por exemplo, que consumir bebidas alcoólicas após um treino de musculação reduz as taxas de síntese proteica muscular, que tipicamente aumentam após o treino de força. Cabe lembrar que o aumento da síntese proteica é um importante processo que leva ao crescimento dos músculos, a tão desejada hipertrofia.
Outras pesquisas também mostram que o consumo de álcool próximo ao treino pode atrasar a recuperação muscular, o que provavelmente significa que a pessoa treinará pior na sessão seguinte. Caso isso se repita de forma crônica, as adaptações ao treinamento em médio e longo prazos podem ser igualmente prejudicadas, e o crescimento muscular pode ficar abaixo do esperado.
Treinar de ressaca
O consumo de álcool ainda afeta o sistema endócrino. Sua ação sobre hormônios resulta em aumento da produção de urina e, por isso, exagerar em bebidas alcoólicas frequentemente culmina em perda excessiva de água pelo xixi, o que nos deixa desidratados. Assim, é muito comum que, no dia seguinte a um episódio de bebedeira, a ressaca seja acompanhada de uma importante desidratação.
Exercitar-se sob o efeito do álcool também aumenta a sudorese, o que exacerba a perda de água. Fazer exercícios de ressaca e desidratado não é apenas desconfortável, mas pode elevar demasiadamente a temperatura corporal, especialmente se o dia estiver quente e úmido, como é o clima típico no verão brasileiro. O risco de aumento excessivo da temperatura do corpo sobe conforme o exercício se prolonga e, por isso, convém evitar sessões demoradas de exercício nessas condições.
E, por falar em ressaca, há quem treine nesse estado acreditando que o exercício irá, de alguma forma, amenizar os sintomas ou acelerar a recuperação após porre. Ainda que algumas pessoas possam perceber algum benefício, a ciência não mostra tal efeito com clareza – vale frisar que os estudos sobre exercício e ressaca ainda são escassos e limitados, em razão das óbvias dificuldades em se conduzir investigações dessa natureza.
De qualquer modo, fica o alerta para que se tenha cuidado redobrado com o risco de desidratação, de hipoglicemia, e de alterações cardiovasculares quando se exercita durante a ressaca.
Agora, se resolver treinar no dia seguinte à bebedeira, hidrata-se bem, evite o jejum e procure não se expor ao calor intenso por muito tempo. Acima de tudo, vá devagar e pegue leve. O melhor a se fazer é esperar que seu corpo esteja bem recuperado antes de retomar qualquer rotina mais intensa de treinamento. Lembre-se de que o álcool é tóxico ao organismo, e nenhum tipo de exercício ou treinamento será capaz de anular completamente seus efeitos nocivos. Quando o assunto é álcool e saúde, quanto menos, melhor.