O polywork é uma tendência em alta entre a geração z de ter mais de um vínculo de trabalho. De acordo com dados mais recentes da PNAD Contínua do terceiro trimestre de 2023, obtidos pelo Valor, 544.691 brasileiros de 14 a 29 anos declararam ter 2 empregos e 27.907 possuíam 3 ou mais ocupações. Os dados são relacionados a ocupações formais e informais.
Segundo Bruno Martins, CEO da Trilha Carreira Interativa, os motivos principais para que os jovens estejam aderindo ao fenômeno estão ligados à própria necessidade de obter mais renda. “O mercado de trabalho está mais limitado em questões salariais, principalmente, no início da carreira, que é a fase em que o polywork está mais tendencioso a acontecer. Por uma necessidade de melhorar salário e rendimentos para começar a vida profissional, eles [geração z] acabam aderindo a esse formato de trabalho”, explica Martins.
O especialista explica que o conceito do polywork é aproveitar as habilidades que o profissional tem para poder desenvolver trabalhos múltiplos em projetos diferentes e em diferentes empresas.
“Um outro motivo é que o mercado de uma forma geral está encarando diferente a questão do emprego. Está sendo visto muito mais como um ecossistema de projetos do que um vínculo empregatício. Por isso, algumas empresas e profissionais fazem acordos diferentes para desenvolvimento de demandas específicas. Dessa forma, o profissional disponibiliza uma fatia do tempo para uma determinada empresa e uma outra fatia para outra, e assim vai compondo a renda. Com isso, a empresa consegue resolver problemas por meio de horas pontuais com a ajuda de profissionais que querem fazer esse tipo de formato”, exemplifica Martins.
Foi isso que a SoftwareOne, empresa de tecnologia, fez, após adotar o modelo de trabalho híbrido e permitir o “polywork”. Segundo Eduardo Prazeres, diretor de RH da organização, focar nos resultados, ao invés do controle, não apenas melhora o bem-estar da equipe, mas também eleva a experiência do cliente. “Isso demonstra que é possível harmonizar objetivos empresariais com o desenvolvimento pessoal e profissional dos funcionários, estabelecendo um novo padrão para o futuro do trabalho”. Prazeres enfatiza que é necessário também evoluir a maneira de monitorar a performance das equipes e garantir não haver conflitos de interesses entre as atividades.
Cleyton Leal, sales service leader da SoftwareOne, é um dos que colocou em prática ter mais de um emprego. A ideia surgiu ao fazer MBA, há 3 anos. “Como sou especialista em temas de Inteligência Artificial aplicada à automação de tarefas por robôs, fui convidado a ter uma cadeira na FIA para dar aulas aos MBAs. Isso aconteceu assim que a pandemia começou”. O objetivo, segundo ele, era maior que o salário e tinha a ver com conciliar objetivos profissionais. “Na minha área de atuação, a credibilidade é extremamente importante. Ser professor em uma instituição renomada amplia essa credibilidade”.
Para ele, a experiência está sendo positiva: ambas as empresas foram 100% abertas e não só concordaram, como apoiaram a decisão, inclusive oferecendo mais flexibilidade quando necessário.
Múltiplos empregos: como fazer dar certo?
Segundo Martins, para que o modelo funcione, é preciso que seja adotado de maneira eficiente com prioridade na gestão do tempo para os dois lados. “Da parte do profissional, o trabalhador precisa entender que a empresa está vendendo uma fatia de horas, o que não significa que ela tem de cobrar proporcional pelo tempo dedicado, mas realmente pelo trabalho intelectual. O tempo precisa ser eficiente para resolver o escopo definido para a demanda”, pontua.
Foi o que Leal conseguiu. “É importante trabalhar em empresas que exigem um alto nível de profissionalismo, mas incentivam seus talentos a crescerem profissionalmente. Claro que é importantíssimo ter muita responsabilidade, pois é preciso conciliar agenda, temas e até mesmo os objetivos em ambas as empresas. Ter uma rotina flexível, em que não tenho uma obrigação de estar presente in loco é totalmente relevante. Isso porque sou cobrado pelos resultados que entrego”.
Além disso, o profissional enfatiza que, com metas definidas, a flexibilidade é algo “aproveitável” porque “empodera” o profissional, que fará o máximo para cumprir com os objetivos profissionais, uma vez que não é tão comum ter empresas com esse nível de “parceria” com o funcionário, diz ele.
Já pelo lado da empresa, é preciso entender que a organização não está contratando um profissional por tempo integral, que o formato é diferente e, que por isso, é preciso fazer uma gestão diferenciada. “A parte referente aos RHs tem que estar alinhada neste tipo de contratação, assim como o entendimento do gestor e a cultura da empresa com relação a este tipo de formato que ainda é novo aqui no Brasil”, finaliza.
Polywork está de acordo com a lei?
Em relação à legislação trabalhista, Juliana Coelho, advogada empresarial, explica que o emprego com carteira assinada, via CLT, não possui, em si, uma obrigação de exclusividade, isso quer dizer que desde que haja compatibilidade de horários e atividades, é possível que o empregado trabalhe em mais de um lugar, via CLT.
“Isso quer dizer que não há obrigatoriedade legal de ser comunicado ou acordado entre empregado e empregador. Todavia, essa conversa é bastante indicada, já que a relação de trabalho é uma relação de confiança. A exceção ocorre quando é instituída entre as partes uma cláusula de exclusividade, que veda a possibilidade de registros de contratos de trabalho simultâneos”, ressalta a advogada.
Coelho também alerta que a regra geral da CLT é que cada vínculo empregatício pode exigir até 44h semanais, porém alguns empregos possuem jornadas de trabalho flexíveis e permitem que o empregado trabalhe por tarefa (ou produção). “Essa modalidade é muito comum para aqueles que trabalham em home office e teletrabalho, por exemplo, e está regulamentada no Art. 75-B § 2º da CLT”.
Demissão por justa causa
Mas há casos em que a empresa pode dispensar o funcionário em polywork por justa causa. Isso pode acontecer caso ocorra situações previstas no artigo 482 da CLT, por exemplo:
- Caso o empregado esteja cometendo algum ato de concorrência contra a empresa para qual trabalha
- Quando as atividade estão sendo desempenhado de forma desidiosa, com desleixo e negligência
- Caso viole algum segredo da empresa ou, ainda, caso haja conflito de interesses ou viole uma cláusula de exclusividade previamente pactuada.
As regras se diferenciam caso a contratação seja feita via PJ ou CLT. Isso porque, segundo Coelho, quando estamos diante de uma contratação via PJ, o trabalhador é considerado autônomo e não existe subordinação, de forma que não se aplicam para ele as determinações previstas na CLT, como por exemplo limitação de jornada ou demissão por justa causa.