Cotado para assumir o comando da Petrobras ou a presidência do conselho de administração da estatal, o atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, provoca temor entre investidores. Ele é visto por analistas e agentes de mercado como uma figura essencialmente política e de inclinação intervencionista, um figurino que não seria o ideal para uma empresa do porte e da importância da Petrobras. No banco de desenvolvimento, porém, Mercadante tem feito gestão considerada “sóbria” e respaldada pelo corpo de funcionários de carreira.
“Por mais que Prates tenha dificuldades, é uma gestão satisfatória, e não me parece boa ideia trocá-lo por um nome com peso político muito grande”, continua o analista.
No ano passado, em um seminário sobre transição energética, Mercadante deu uma pista da visão que tem sobre a Petrobras. “Eu podia ficar quieto aqui porque nós temos cerca de R$ 20 bilhões em ações da Petrobras e nós recebemos, ano passado, 100% do que aplicamos. Isso é excelente. É uma vaca leiteira pagando dividendo. Mas o Brasil precisa muito mais da Petrobras”, disse.
É uma visão que se encaixa no que o presidente Lula prega como função da empresa. Investir em refinarias, estaleiros, gasodutos, como forma de estimular a economia e gerar empregos. Mas analistas lembram que essa é fórmula que foi usada nas primeiras gestões petistas e quase levou a empresa à falência, em meio a um grande escândalo de corrupção.
Procurado, Mercadante não comentou as críticas. Sua assessoria se limitou a enviar os números de sua gestão no BNDES.
Montanha-russa das ações
A possibilidade de troca no comando da Petrobras, que ganhou mais força esta semana com o nome de Mercadante à frente, provocou uma verdadeira montanha-russa nas ações da empresa. Durante a sexta-feira, 5, os papéis da estatal alternaram quedas agudas relacionadas à crise do comando e recuperações ancoradas na possível liberação de dividendos extraordinários, na alta da cotação internacional do petróleo e, também, numa possível inclinação do próprio Mercadante em permanecer no BNDES, como apontou o Broadcast/Estadão.
Perto do meio-dia da sexta-feira, 5, a companhia chegou a exibir valor de mercado inferior a R$ 500 bilhões, queda relevante para uma empresa que atingiu a marca histórica de R$ 571,4 bilhões há pouco mais de um mês, em fevereiro. No início da tarde, a Petrobras recuperou o fôlego em função da alta da commodity e de uma articulação que começou a ser construída para levar Mercadante não mais ao comando executivo da Petrobras, mas à presidência do seu conselho de administração. No fim do dia, refletindo o dia confuso, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) caíram 0,20%, enquanto as preferenciais (PN, sem direito a voto) subiram 0,58%.
O martelo sobre a crise na Petrobras deve ser batido nos próximos dias. O presidente Lula voltou para Brasília na sexta-feira, após um périplo pelo Rio de Janeiro e Estados do Nordeste. Prates tenta uma reunião com Lula na próxima segunda-feira para selar o seu destino.
Retrospecto no BNDES
Em seu primeiro ano de gestão no BNDES, Mercadante enfrentou o ceticismo do mercado financeiro e, no fim das contas, correspondeu ao objetivo do governo de aumentar o volume de crédito ofertado pelo banco, que havia encolhido no governo de Jair Bolsonaro.
O BNDES teve atuação importante em meio à retração do mercado de crédito que marcou o pós-crise das varejistas, desencadeado pelo caso Americanas. Segundo um alto funcionário de carreira do banco, que pediu para não ser identificado, a administração Mercadante é bem vista internamente e a operação do banco tem fluído bem, sem anomalias.
Presidente do BNDES no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros avalia que Mercadante faz bom trabalho, sem confrontar a “burocracia” do banco e respeitando mecanismos de controle. Ele destaca que o mandatário entendeu a importância de aumentar o crédito do banco ao agronegócio, historicamente limitado. Uma das inovações nesse sentido foi a criação de uma linha em dólar para o setor.
E adverte: “Ele (Mercadante) que pense bem antes de fazer essa mudança, porque Petrobras é algo completamente diferente. O banco é uma instituição mais protegida, que não tem nenhuma atividade de maior inserção política e existe para responder às provocações do governo, aos projetos do Executivo. Na Petrobras não é bem assim que funciona”, diz Mendonça de Barros. “Se o Lula pedir, ele vai ter de ir, não vai ter jeito. Mas sairia de lugar confortável para entrar numa briga.”
Para o ex-presidente do BNDES, Mercadante tem marcado um retorno do banco à normalidade. “O Paulo Guedes queria ver o BNDES morto. O banco passou por um período de ‘super irritação’ com a Dilma e, depois, mergulhou em governos que eram contrários à sua função. No governo Bolsonaro, havia um consenso de que o banco não fazia diferença na economia. Mas há empresas que só existem hoje graças ao BNDES. Sem as garantias de performance que o BNDES deu aos aviões da Embraer, essa empresa não existiria, para citar só uma”, afirma.
Números do banco
De acordo com o BNDES, as aprovações de operações de crédito, que representam a formação de uma carteira de projetos de investimento para “transformar o País”, atingiram R$ 175 bilhões neste primeiro ano, o maior valor desde 2015. Já os desembolsos de recursos foram de R$ 114 bilhões, um incremento de 17% em relação a 2022.
Houve aumento no financiamento à indústria (R$ 40 bilhões); inovação, com mais R$ 5 bilhões, e exportações, com aprovações acima de R$ 13 bilhões. Operações com Estados e municípios foram retomadas, com mais de R$ 20 bilhões em crédito para entes subnacionais, e fundos como o Amazônia e Clima foram reativados e reforçados, para suportar o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda.
Durante a divulgação do último resultado financeiro, relativo ao quarto trimestre, o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa, disse que trabalha com uma expectativa de desembolsos entre R$ 125 bilhões e R$ 160 bilhões ao longo de 2024, o que ficaria entre 1,1% e 1,4% do PIB do País. Em 2023, os desembolsos do BNDES alcançaram 1,1% do PIB, ante 1% em 2022. A ideia, portanto, é promover aumento gradual na participação do banco no mercado de crédito, sem aventuras que poderiam comprometer a credibilidade da gestão.
Alvos de questionamento, as operações subsidiadas em 2023 não teriam passado da faixa de 18% dos desembolsos, sendo o restante, 82%, realizadas a taxas de mercado, conforme disse Barbosa na ocasião. A fonte do banco ouvida pela reportagem afirma que esse porcentual aponta para bom nível de controle nessa frente.
No fim de janeiro, o mercado reagiu mal ao enxergar um “voo ao passado”, quando o BNDES anunciou a gestão de R$ 250 bilhões em recursos voltados ao financiamento da indústria, no âmbito do programa Nova Indústria Brasil (NIB). A leitura foi de novo risco de inchaço à operação e volta de subsídios excessivos, na contramão das políticas de saneamento fiscal da Fazenda. Sobre isso, Barbosa já disse que, aí, 64% dos recursos serão financiados a taxas de mercado e que taxas direcionadas ficarão restritas ao Fundo Clima e iniciativas voltadas à inovação.